Internet capenga não aguentará o metaverso

Empresas de tec e de telefonia discutem como botar de pé estrutura para que conceito se torne realidade

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Barcelona

As empresas de telefonia estão se ligando no metaverso. O termo, que virou a modinha do setor de tecnologia desde o fim do ano passado, foi o centro das discussões do Mobile World Congress (MWC) 2022, realizado nesta semana em Barcelona e que se encerrou nesta quinta-feira (3).

O evento, um dos principais da indústria de tecnologia, reúne líderes do setor e é mais voltado às telecomunicações.

Bom, mas o que, afinal, é o metaverso? Como ele vai funcionar?

Homem interage com holograma em estande do Mobile World Congress (MWC), em Barcelona
Homem interage com holograma em estande do Mobile World Congress (MWC), em Barcelona - Quique García/EFE

Se o leitor tem essas dúvidas, saiba que não está só: o metaverso é também um negócio esquisito para o meio de especialistas –mas, para o seu próprio bem, evite usar esse termo perto de alguém do setor de tec para não ter que ouvir um longo discurso com opiniões sobre o assunto.

Em resumo, é uma daquelas coisas que são tudo e nada ao mesmo tempo. Indica uma mudança na forma como a interação das pessoas com os conteúdos digitais se dará.

Durante o MWC, Neeraj Roy, fundador da Hungama Mídia, empresa indiana de entretenimento digital, lembrou dos dias do início da internet. Havia uma ideia, um conceito, de computadores conectados por uma rede.

No início, os conteúdos na informática eram vistos pela tela do computador, clicando com o mouse e ponto. Depois, a internet foi evoluindo, passou a suportar vídeos mais facilmente, mais imagens. Posteriormente, foi para o celular e ganhou mais recursos interativos –zoom com os dedos, uso de áudio, localização.

O metaverso não é exatamente um lugar, mas uma aposta do setor de tecnologia que é para esse lado que a progressão de como os conteúdos são consumidos está indo. Uma imersão maior por meio de, por exemplo, realidade virtual e aumentada. Em vez de ver o conteúdo numa tela, se inserir de certa forma nesse conteúdo, ou colocá-lo para interagir com o mundo físico.

No caso da realidade virtual, o usuário usa óculos específicos para ver o mundo como se estivesse num ambiente digital. Na aumentada, usando óculos ou algum outro dispositivo —tipo a tela do celular— são adicionados elementos à visualização do mundo real. Exemplo disso é o game Pokémon Go, no qual os monstrinhos aparecem no telefone como se estivessem na sala de casa.

Com isso, na ideia de metaverso (algo importado da ficção científica), é como se um universo paralelo fosse criado. O conceito já existe, principalmente em jogos –Roblox e Fortnite são dois dos exemplos mais citados. E a aposta das empresas de tec é justamente que isso vai crescer. A Meta (ex-Facebook) fala em coisa de cinco anos.

E sendo algo que acontece no futuro, para que discutir isso agora? E o que o setor de telefonia tem a ver com a história?

Com essa tendência identificada –e, em partes, enfiada goela abaixo--, é necessário criar as ferramentas e a estrutura necessárias para que a coisa se torne realidade.

"Precisamos pensar no longo prazo para estarmos pronto na hora certa", disse Peter Jarich, chefe da divisão de inteligência da GSMA, no MWC.

Na semana passada, por exemplo, o Facebook anunciou novidades em inteligência artificial (IA), para tornar mecanismos mais eficientes. Essa é uma das tecnologias de fundação da ideia de metaverso. Ao usar realidade aumentada, por exemplo, são mecanismos de IA que leem o que aparece na câmera e fazem a interação entre o virtual e o real.

No Instagram, é um sistema desses que identifica as partes do seu rosto para aplicar um filtro de cachorrinho, por exemplo.

O mesmo acontece na telefonia. Para funcionar, as aplicações que usam desse conceito de metaverso possuem alta demanda para a internet. Não só na quantidade de informações baixadas, mas no tempo de resposta (chamado de "latência") e na estabilidade. Sem contar a conectividade, já que quase metade do planeta ainda não tem acesso à web, segundo dados da GSMA, entidade que congrega as teles.

"As teles estão construindo as ferrovias que vão permitir que essas experiências [de metaverso] aconteçam", afirmou Cathy Hackl, futurista especialista em metaverso, no MWC.

Outra mudança é no envio de arquivos. Hoje, consumidores recebem muito mais informações (baixam) do que enviam, e a estrutura atual é montada para atender esse tipo de demanda. No futuro, download e upload devem ser requisitados em volumes mais parecidos.

"O padrão de tráfego de internet está mudando", afirmou Chris Weasler, chefe de iniciativas especiais da divisão de conectividade da Meta.

Nesses pontos, o 5G aparece como a alternativa de conectividade que aguenta essas necessidades –daí todo esse monte de discussões num evento de telefonia. A tentativa é de entender qual vai ser a estrutura necessária para que as aplicações funcionem.

Numa chamada por vídeo, um atraso pode ser apenas chato e levar às perguntas de "consegue me ouvir?". Com realidade virtual, uma conexão instável pode trazer náusea. E isso tudo acontece num momento em que o 5G traz também um mundo físico mais conectado, então os padrões da internet precisam dar conta.

"Quando você está controlando um carro autônomo ou robôs no mundo real, [um travamento da internet] é inaceitável", afirmou Ronnie Vasishta, vice-presidente sênior de telecomunicações da Nvidia.

Uma das capacidades úteis do 5G nessas horas é chamada de "slicing" (fatiamento).

Com essa arquitetura, usando uma mesma infraestrutura, é possível criar redes de telefonia separadas. Com isso, usando a mesma estrutura física, dá para fornecer conexões paralelas com características diferentes.

"Você não quer ser operado por um robô [controlado pela internet] num hospital enquanto o seu filho está jogando games na sala ao lado [pela mesma rede]", disse Paul Scanlan, chefe de tecnologia da Huawei.

ACESSO RESTRITO

Uma das barreiras a serem enfrentadas por aplicações de metaverso é o custo –dispositivos com conectividade ao 5G e com capacidade de processar as complexas aplicações desse conteúdo mais imersivo são caros.

Dentro das empresas de tecnologia, parte das discussões para tornar o metaverso possível passam por integrar diferentes tipos de dispositivos conectados. Como fazer com que alguém com um celular com pouco poder de processamento consiga interagir no mesmo espaço acessado por um amigo usando um computador de última geração e óculos de realidade virtual.

Fora isso, tem o custo das conexões em si. No Brasil, a expectativa é que o 5G "puro" (em redes construídas exclusivamente para essa tecnologia) custe R$ 250 por mês na chegada, em 2023.

Estudo da GSMA aponta a desigualdade global na distribuição da tecnologia que aparece com força na Coreia do Sul, China e EUA. Só atingiu a todas as regiões do agora, após três anos do começo da implementação, com a com a chegada à América Latina e à África subsaariana.

As diferenças acontecem mesmo dentro das áreas geográficas. Em 2025, a GSMA estima que 64% das conexões móveis na área desenvolvida da Ásia serão por 5G, 63% da América do Norte. Para comparação, as taxas devem ser de 8% no restante da Ásia e 11% na América Latina.

O buraco não é tanto na cobertura. Das 3,7 bilhões de pessoas desconectadas, apenas 500 milhões estão em áreas em que o sinal não chega, aponta Mats Granryd, diretor-geral da GSMA. O restante está offline por outros motivos, como o custo.

O jornalista viajou a convite da Huawei

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