Comprar e vender "imóveis" no metaverso. Acumular patrimônio em aplicativos de jogos. Contribuintes têm manifestado dúvidas sobre a tributação em operações nesses ambientes virtuais, que vão além da negociação de criptomoedas.
Atualmente, a Receita Federal possui uma regra uniforme para declaração e taxação de ganho de capital com criptoativos, sejam eles moedas como o bitcoin ou direitos de propriedade exclusivos, as NFTs (sigla em inglês para tokens não fungíveis).
O lucro obtido com a alienação de criptoativos é tributado como ganho de capital, segundo alíquotas progressivas, quando o total vendido for superior ao limite de isenção mensal de R$ 35 mil.
A regra vale para todas as pessoas com residência fiscal no Brasil, mesmo aquelas que operam por meio de corretoras e contas em outros países.
No final de 2021, em resposta à consulta de um contribuinte, o Fisco esclareceu que a tributação se dá também quando uma moeda virtual é utilizada na aquisição de outra criptomoeda, mesmo que não haja conversão do lucro para o real. A não conversão do bem ou direito alienado em moeda fiduciária não altera a incidência do Imposto de Renda sobre o ganho de capital oriundo da permuta, disse a Receita.
O mesmo vale para outros criptoativos, como "imóveis" virtuais que são adquiridos com moedas digitais, afirma o advogado Fernando Zilveti. Ele tem recebido dúvidas de clientes sobre o tratamento dado a NFTs e outros tipos de propriedades em metaversos (ambientes virtuais tridimensionais).
Há ainda questões relacionadas a ganhos obtidos em jogos por aplicativos, que nem sempre são tributados.
Atualmente, a pessoa residente no Brasil deve prestar informações à Receita sobre esses ativos e recolher o Imposto de Renda sobre ganho de capital para o Fisco nacional. Zilveti afirma que o entendimento das autoridades tributárias aqui e no exterior pode mudar conforme esse mercado for se desenvolvendo.
"O problema será quando você pagar o imposto aqui e o fisco americano achar que tem de pagar lá, porque o ‘imóvel’ foi comprado e vendido segundo a lei americana", diz o advogado.
Dona de uma propriedade em um mundo virtual, a contadora especializada em criptoativos Ana Paula Rabello afirma que não se pode aplicar a bens digitais as mesmas vantagens tributárias e isenções que valem para imóveis reais.
"Quando a gente fala em metaverso, estamos falando de bens que existem por representação digital. Eu comprei um terreno no metaverso do Axie Infinity. Esse meu terreno não é físico. É um ativo digital, um token, uma NFT. Quando vendê-lo, vou tributar como sujeito a ganho de capital, alíquota progressiva", afirma.
"Ao vender um bem imóvel, você tem vantagens fiscais. Não pode ter os mesmos benefícios quando esse imóvel é uma NFT."
A própria Ana Paula, que é autora de um livro sobre tributação desses direitos, se tornou recentemente um token. Ou quase isso. O avatar utilizado em seu blog —uma ilustração da "loira do imposto"— foi inserido em uma imagem registrada na plataforma de negociação OpenSea. Iniciativa de um amigo, a criação da NFT foi uma brincadeira, sem objetivo comercial, afirma.
Para comprar uma propriedade em um mundo virtual é necessário utilizar moedas digitais. Se entre a aquisição da moeda ethereum, por exemplo, e seu uso na compra de um terreno em um metaverso a moeda se valorizar, o contribuinte precisa fazer um primeiro recolhimento de imposto —se o ganho de capital superar o limite de isenção.
Ao vender a propriedade receberá novamente o ethereum. Se tiver lucro com a venda do terreno, pode ser tributado novamente, mesmo se não trocar a moeda virtual por reais, afirma Rabello.
Sabrina Lawder, líder de International Tax da consultoria Grant Thornton Brasil, afirma que cada país tem se adaptado às inovações no mundo virtual de uma maneira diferente.
Portugal, por exemplo, optou pela isenção ampla. A maioria tributa o ganho de capital. Alguns, com regras de compensação entre ganhos e perdas. Outros, como o Brasil, não permitem a compensação, ponto que causa muitas dúvidas nos brasileiros na hora de recolher o tributo, segundo a especialista.
Algumas autoridades cobram imposto somente quando há conversão do ganho para a moeda fiduciária do país, enquanto o Brasil segue a regra de taxação independente da conversão, como esclareceu a Receita Federal no final do ano passado.
"Você ainda tem um desconhecimento dos pequenos investidores e dúvidas até das próprias exchanges [corretoras]. Você tem de pagar o ganho de capital mensalmente sobre as operações. E as pessoas não estão fazendo", afirma Lawder.
Ela diz que as consultas dos contribuintes ainda estão muito focadas em criptomoedas e que há poucos questionamentos sobre NFTs, o que deve mudar em 2022 com a expectativa de crescimento desse mercado. "Aí sim vamos ter grandes discussões jurídico-tributárias nesse sentido."
A febre de comercialização de imóveis em ambientes virtuais ganhou força em 2021, principalmente depois que o Facebook mudou o nome da empresa para Meta e anunciou uma estratégia para se expandir no mercado de metaverso.
De acordo com o site Dapp, em uma única semana de dezembro foram vendidos terrenos virtuais avaliados em mais de US$ 100 milhões (mais de R$ 500 milhões) nos quatro principais ambientes do metaverso: The Sandbox, Decentraland, CryptoVoxels e Somnium Space.
Alguns governos também já estão de olho nesses ambientes. Em novembro, a ilha caribenha de Barbados anunciou o estabelecimento de uma representação diplomática na Decentraland.
Muitas obras de arte também estão sendo vendidas na forma de NFTs.
A especialista em Direito Tributário Ivana Marcon, sócia do escritório Baptista Luz Advogados, afirma que devem surgir discussões sobre competência de tributação em mundos virtuais com a evolução desse mercado.
Ela afirma que propriedades virtuais não podem ser consideradas imóveis para fins de isenção ou cobrança de imposto de transmissão do bem (ITBI). Por outro lado, também não se pode considerar que negócios em mundos virtuais estão fora do alcance do país de residência do contribuinte.
"Não é pelo fato de que a operação ocorre em um ambiente imaterial que você não pode tributar. Hoje, se você tiver ganho em uma venda de criptoativo, tem de pagar imposto sobre ganho de capital. O mesmo raciocínio vale para essas operações no metaverso."
Ela diz que esse entendimento pode mudar no futuro. "A gente sabe como a Receita entende o ambiente virtual, porque ela já deu a orientação para criptoativos. Acho que poderemos ter algumas particularidades para determinados bens, por exemplo, para imóveis. Vai ser considerado imóvel no metaverso ou não? Quando vender, vai poder cobrar ITBI? Tem uma série de discussões que estão começando a surgir."
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