Busca com IA do Google, lançada nesta segunda (20) nos EUA, pode empobrecer a internet, dizem especialistas

Resumos feitos por inteligência artificial serão primeiro resultado em consultas feitas nos EUA

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São Paulo

A partir desta segunda (20), o Google responde com um resumo feito por IA às buscas dos usuários americanos. O recurso chama-se AI Overview, algo como apanhado de IA.

Esse texto gerado pela IA Gemini, o ChatGPT do Google, será o primeiro resultado e estará acompanhado de dois ou três links de referência. O material de divulgação não explica qual será o critério para escolher os sites mais relevantes.

Pesquisadores ouvidos pela reportagem dizem que a mudança no buscador mais acessado da internet pode implicar um empobrecimento radical da diversidade da rede.

Reportagem buscou dados sobre inflação na Argentina no Google na segunda (13) e na terça-feira (14) e recebeu respostas geradas por IA
Reportagem buscou dados sobre inflação na Argentina no Google em novembro e recebeu respostas geradas por IA - Reprodução/Google

O AI Overviews pode reduzir os cliques em outros links ou páginas de internet, uma vez que a ferramenta tem o propósito de buscar os principais pontos dos artigos espalhados pela internet, de acordo com o cientista-chefe do Instituto Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, Ronaldo Lemos.

Isso pode ter impacto em veículos jornalísticos, uma vez que, na lógica da publicidade digital, cliques geram parte da receita que financia a produção de conteúdo.

O professor de economia da Universidade de Houston, Haaris Mateem, que estuda o financiamento da mídia na internet, chama a prática do Google de "pegar só o creme" (cream-skimming, em inglês) —trata-se de uma tática comercial de restringir o acesso a parte mais lucrativa de um setor econômico.

"Isso reduz ainda mais as chances de um criador ganhar dinheiro com os artigos ou vídeos que produzir", diz Mateem.

Caso a ferramenta de IA tenha sucesso, ainda há a chance de o conteúdo gerado pelo Google ser a principal fonte de informação dos 4,3 bilhões de usuários espalhados pelo mundo do buscador —número da plataforma de medição de audiência na internet Semrush, que estima que o Google controle 92% do mercado de buscas.

O tráfego da internet, assim, pode acabar capturado em grande medida pelo próprio Google, de acordo com Lemos. "Há uma preocupação de que isso crie uma espécie de monocultura na rede: a empresa não seria mais só um buscador, que envia tráfego e cliques para outros lugares, mas o destino final e único de todas as buscas por informação, que passam a ser alimentadas pelo próprio site."

"Essa é, talvez, a ameaça mais séria à sustentabilidade do jornalismo", diz o presidente da entidade patronal ANJ (Associação Nacional de Jornais), Marcelo Rech. Hoje, jornais, blogs e sites têm no Google uma das suas principais fontes de audiência, a partir do redirecionamento das buscas e adotam estratégias para aparecer no topo da lista de links entregue pelo buscador.

Em teste feito pela Folha, a IA na busca do Google citou integralmente trechos de reportagens protegidas por paywall (barreira para proteger artigos pagos na internet). A empresa de tecnologia diz que inclui o endereço do autor na web e respeita direitos autorais.

Segundo material de divulgação do Google, "os links incluídos nos resumos gerados com IA recebem mais cliques do que se a página fosse exibida como um resultado de busca tradicional para a mesma consulta".

A empresa, contudo, não divulgou os dados que embasam a informação nem estudo sobre os testes feitos com IA na busca, feitos entre outubro e maio.

Para a professora Anya Schiffrin, diretora de tecnologia, mídia e comunicações da Universidade Columbia em Nova York, as gigantes da tecnologia, como o Google, se aproveitam do controle que detêm sobre os dados para obter vantagens no mercado e, por isso, não compartilham informação.

"Por isso, os criadores têm dificuldades de conseguir remuneração justa de empresas como Google e Meta [dona do Facebook e do Instagram]."

INTERNET DÁ SINAIS DE PIORA

A disputa por espaço na internet entre humanos e máquinas não é de hoje.

Em 2022, 47,4% de todo o tráfego na rede já era gerado por robôs que vagam pelas redes sociais com os mais diversos objetivos. Isso vale, por exemplo, para visualizações em posts nas redes sociais. O número representou uma alta de 5,1% em relação ao ano anterior, de acordo com a empresa de cibersegurança Imperva, que monitora a presença de bots na internet.

Do total do tráfego, 30,2% vêm de robôs maliciosos, cujo objetivo é roubar dados, criar spam (mensagens que tentam enganar o usuário), ou sobrecarregar servidores.

A presença de humanos na rede deve cair ainda mais com a disputa por espaço com o conteúdo gerado por inteligência artificial. Estudo do Instituto de Estudos do Futuro de Copenhague, divulgado por Lemos, projeta que 99% do conteúdo que será postado na internet em cinco anos será gerado por inteligência artificial.

Parte dos textos, áudios e imagens gerados por inteligência artificial é usada para espalhar desinformação, como no caso do esforço para influenciar as eleições na Eslováquia, ou de impulsionar práticas comerciais abusivas, como a inundação da Amazon com guias turísticos inúteis criados por IA.

É possível encontrar centenas de textos gerados por inteligência artificial ao buscar no Google a expressão "como um modelo de IA, não". Trata-se de um trecho da resposta padrão dada pelo ChatGPT quando é pedido para gerar texto sobre questões polêmicas ou que envolvem crimes. A frase sem sentido chega às publicações finais por falta de edição humana.

Além disso, mesmo as informações geradas por IA com boas intenções não são 100% confiáveis, como previnem avisos nas páginas de Google e OpenAI.

Durante o anúncio do AI Overviews, o Gemini deu uma dica furada para o protagonista da propaganda que perguntou como consertar uma câmera analógica com a alavanca travada.

Uma das sugestões da plataforma foi "abrir o compartimento traseiro do aparelho e remover o filme gentilmente", o que pode expor o filme à luz e danificar todos os registros, segundo o site especializado em tecnologia The Verge. A dica foi sublinhada pelo Google na apresentação.

Sugestão em inglês, sublinhada durante apresentação do Google, instrui usuário a abrir compartimento do filme, o que estragaria as fotos tiradas
Sugestão em inglês, sublinhada durante apresentação do Google, instrui usuário a abrir compartimento do filme, o que estragaria as fotos tiradas - Reprodução/Google

O mesmo Google que quer colocar mais informação gerada por IA nas redes mencionou no mês passado que está tomando providências contra conteúdos que "parecem criados para [enganar] os mecanismos de buscas, em vez de para pessoas". O objetivo disso é melhorar os resultados.

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