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Jack Dorsey: cofundador do Twitter faz jogada contra Musk

O empresário de tecnologia dedica sua atenção às plataformas de rede social rivais Bluesky e Nostr

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Hannah Murphy
San Francisco | Financial Times

Se houve um momento em que Jack Dorsey se transformou de Jesus em Judas pela primeira vez na mente de muitos ex-funcionários do Twitter, foi quando ele descreveu Elon Musk como a "solução singular" para assumir a plataforma de rede social que ele cofundou. "Confio em sua missão de ampliar a luz da consciência", postou Dorsey em abril passado no site.

Essas declarações efusivas foram o ápice de um "bromance" de anos entre os dois bilionários do Vale do Silício, que modificou drasticamente o futuro do Twitter. Dorsey, de acordo com documentos judiciais e pessoas familiarizadas com o assunto, foi fundamental para arranjar a venda por US$ 44 bilhões da plataforma para Musk, que desde então demitiu 90% de sua força de trabalho e relaxou drasticamente suas políticas de moderação.

Agora, essa aliança parece ter chegado ao fim.

Jack Dorsey no dia em que prestou depoimento ao Senado norte-americano. Ele é um homem branco de cabelos castanhos e barba comprida.
Jack Dorsey no dia em que prestou depoimento ao Senado norte-americano em 2018 - Jim Watason/AFP

Nesta semana, Dorsey falou publicamente contra Musk, dizendo que não acreditava que o chefe da Tesla "agiu certo" na condução do Twitter. "Deu tudo errado", escreveu o empresário de 46 anos, que aumentou sua aposta quando Musk tornou o Twitter privado, fazendo dele um de seus maiores acionistas. "Mas aconteceu, e tudo o que podemos fazer agora é construir algo para evitar que aconteça novamente."

De fato, Dorsey –cuja personalidade de guru já lhe rendeu devotos dentro do Twitter– tem liderado o ataque para criar alternativas a ele. Na semana passada, o Bluesky, parecido com o Twitter, que Dorsey fundou em 2019 enquanto ainda estava no comando do Twitter, ganhou manchetes por atrair muitos jornalistas, ao lado de alguns políticos e celebridades. Ele permanece em seu conselho e fez seus comentários sobre Musk na plataforma.

Na quinta-feira (4), Dorsey doou US$ 5 milhões para "promover o novo e crescente... ecossistema" do Nostr, outro projeto de rede social descentralizado, depois de dar 14 bitcoins, no valor de mais de US$ 200 mil, a seu fundador em dezembro.

Aqueles próximos a Dorsey dizem que o Nostr tem sido seu foco principal ultimamente. Reconhecido por sua longa barba grisalha e tendência para modismos de bem-estar pessoal, Dorsey participou de uma conferência do Nostr em março em um retiro de ioga na Costa Rica, e falou no final dando sua bênção à iniciativa. "Este é o ‘mea culpa’ dele –é ele assumindo a responsabilidade pelo que o Twitter acabou sendo", disse Greg Kidd, um dos primeiros investidores do Twitter, que também compareceu.

Dorsey lamentou a dependência do Twitter de anunciantes e investidores e como isso obrigou a plataforma a tentar aumentar o engajamento para atingir os resultados trimestrais, disse Kidd. "Na segunda vez, talvez ele não repita esses erros... Jack está voltando ao seu trabalho básico."

Nascido em St. Louis, no Missouri, Dorsey, que também é massoterapeuta profissional, ajudou a criar o Twitter em 2006. Ele teve dois períodos como executivo-chefe, mais recentemente de 2015 até o final de 2021. Pessoas próximas dizem que ele sempre foi motivado pelo desejo de democratizar e descentralizar os serviços. No caso do Twitter, tentou democratizar a mídia. Nos últimos anos, também ficou obcecado por bitcoins e pagamentos descentralizados.

Essa abordagem se espalhou para a maneira como Dorsey administrava o Twitter. Sempre que precisava tomar uma decisão, ele dizia que via isso como uma "falha" da empresa, preferindo permitir que os próprios funcionários discutissem as ideias. Mas foi essa falta de mão firme e a indecisão resultante, argumentam seus críticos, que deixaram o Twitter prejudicado por inovações lentas, brevemente desafiado pelo grupo investidor ativista Elliott Management e, por fim, vulnerável a Musk. "Ele acredita, para o bem ou para o mal, na sabedoria da mente coletiva", disse Kidd.

Nesse ínterim, o homem que ganhou milhões com o IPO do site também se voltou contra a própria Wall Street, argumentando que o Twitter nunca deveria ter sido uma empresa respondendo a acionistas ávidos por lucros, mas um "protocolo" de propriedade de nenhuma empresa ou estado.

Quando ele deixou o cargo, funcionários e até membros do conselho sentiram que Dorsey havia se tornado um "proprietário ausente" que já tinha desistido de se importar com a plataforma. Mas sua maior traição, de acordo com muitos ex-funcionários, foi que ele abriu caminho para a aquisição por Musk e criticou publicamente o conselho administrativo como inadequado, sem assumir a responsabilidade por seu próprio papel.

De acordo com seus defensores, é natural que Dorsey, um crente na liberdade de expressão, esteja agora focado em desenvolver os modelos de rede social descentralizados de Bluesky e Nostr, cujo objetivo é construir um sistema interoperável onde nenhuma autoridade central esteja no controle.

"Muita gente acha que a quantia que ele pressionou para que Elon assumisse... bagunçou sua legitimidade", disse Evan Henshaw-Plath, um conhecido e ex-colega de Dorsey, acrescentando que achava essa crítica injusta. Agora, no entanto, Henshaw-Plath diz: "Acho que há um certo desejo de ativar financeiramente essas alternativas, como uma resposta agressiva tanto a Wall Street quanto a Elon Musk".

Para os funcionários do Twitter 1.0, que se sentiram profundamente traídos por Dorsey, as recentes críticas de Musk demoraram a chegar. Alguns esperam que seus antigos acólitos retornem com o passar do tempo. "Acho que o 1.0 tem memória curta e seguirá em frente rapidamente, assim que conseguir novos empregos", disse um ex-funcionário sênior do Twitter. "E vai voltar a saboreá-lo."

Mas para Dorsey salvar sua reputação como empresário de rede social, muito depende de suas novas iniciativas ganharem força ou serem apenas mais uma moda passageira. Um funcionário atual do Twitter disse: "O tempo dirá se essa é mais uma das grandes ideias de Jack que nunca é devidamente entregue antes que ele passe para a próxima coisa brilhante".

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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