Descrição de chapéu tecnologia Apple

Big techs criarão dispositivos para nos espionar e treinar inteligências artificiais, diz futurista

Vision Pro da Apple, por exemplo, conseguirá informações inéditas do movimentos da pupila

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São Paulo

Lojas e ecommerces estarão cheios de novos dispositivos inteligentes de toda a sorte, segundo a futurista Amy Webb. Ela apresentou, no sábado (9), a 17ª edição de seu compilado de tendências de tecnologia no SXSW (South by Southwest), em Austin, no Texas —a palestra está disponível no YouTube.

Esses aparelhos aprofundarão a captura de dados sobre o comportamento humano para treinar modelos de inteligência artificial ainda mais capazes.

O objetivo das empresas é ultrapassar os modelos de linguagem como o ChatGPT, capazes de criar texto, para criar modelos de ação, capazes de executar tarefas diversas, de acordo com Webb, cujo trabalho diário no FTI (Instituto Futuro Hoje, em tradução livre) envolve conversar com líderes empresariais.

Cliente experimenta Vision Pro em Apple Store, na cidade de Nova York. O dispositivo custa US$ 3.499 (quase R$ 17 mil)
Cliente experimenta Vision Pro em Apple Store, na cidade de Nova York. O dispositivo custa US$ 3.499 (quase R$ 17 mil) - Angela Weiss/AFP

Para isso, não bastam os textos na internet, são necessários dados espaciais, visuais e sensoriais. Os dispositivos vestíveis e conectáveis atendem à essa demanda.

Como exemplo dessa tendência de mercado, ela cita os óculos de realidade aumentada da Apple, o Vision Pro.

O dispositivo tem 14 câmeras, segue o movimento da retina, mapeia tudo à volta do usuário, o que fornece dados úteis para treinar diferentes percepções da inteligência artificial.

"Como esposa de um oftalmologista, eu posso dizer que as pupilas de uma pessoa se contraem quando ela está nervosa e essa informação pode ser útil para entender o estado de espírito do consumidor", afirmou Webb.

Exemplos de dispositivos vestíveis empoderados com modelos de ação são o Rabbit, pequeno aparelho que recebe comandos por voz e é capaz, por exemplo, de tocar uma música no Spotify ou mandar um email, e o AI Pin, um broche com capacidades similares.

Ambos os aparelhos têm opções de personalização por treinamento, em que o aparelho adequa as respostas ao usuário a partir de instruções anteriores. "Essas tecnologias vão poder nos gravar a todo o tempo e saber onde estamos", disse Webb.

Empresas de diversos setores devem aderir aos dispositivos inteligentes para levantar dados de seus clientes. Como exemplo mais bizarro, Webb citou uma arma de choques da marca Taser, capaz de tocar músicas.

Os dispositivos conectados permitem a captura de dados a todo hora em todo lugar para treinar modelos de inteligência artificial, diferentemente de redes sociais ou de buscadores que dependem do acesso do usuário —essa é uma das principais sínteses do relatório de Webb.

As empresas estão em uma corrida para ganhar esse mercado e quem tiver os dados de melhor qualidade vai levar a vantagem

Webb avaliou que a sociedade será completamente remodelada por um novo superciclo econômico —conceito que remete a um longo período de demanda explosiva e elevação de preços causado pela invenção de uma tecnologia aplicável em setores diversos, como foram a máquina a vapor na revolução industrial, a eletricidade e mais recentemente a internet.

No cerne deste novo superciclo, estão inteligência artificial, dispositivos inteligentes e biotecnologia. "Essas três áreas passaram a convergir de maneira em que uma permitiu saltos qualitativos na outra", disse Webb.

Um exemplo disso é a ligação entre dispositivos vestíveis, vigilância e treinamento de inteligência artificial; outro, as novas arquiteturas de chips mais similares ao sistema nervoso humano para melhorar desempenho e eficiência energética de computadores.

Esse cenário não apenas cria oportunidades de negócio, mas também altera tendências de consumo.

Num futuro próximo, seria possível, por exemplo, aplicar tarifas dinâmicas, como as do Uber, para todos os produtos, de forma a incentivar o consumo desenfreado, o que culminaria em inflação, afirmou Webb.

Seria possível também oferecer cupons de desconto por propaganda, disse Webb. "Como os óculos inteligentes acompanham o movimento da retina, poderão avaliar se o cliente prestou atenção ou não no anúncio." Esse seria outro marcador de classe, visto que os ricos não precisariam da publicidade.

Como muito vai mudar, de acordo com a análise de Webb, as pessoas estão em um estado de medo, incerteza e dúvida (FUD, na sigla em inglês), o que as coloca em uma situação de vulnerabilidade. O FUD foi uma uma estratégia da indústria do tabaco para postergar a imposição de regras mais duras contra a droga lícita.

Ao mesmo tempo, esse é o momento de fazer o debate ético sobre essas tecnologias, afirmou a futurista.

"Uma escola poderá usar conectividade e inteligência artificial para entender quando um aluno presta atenção e como ele aprende, mas um banco vai poder usar tecnologia similar para estimar quando uma pessoa vai morrer e decidir se vai conceder ou não um financiamento ou seguro", disse a especialista.

De acordo com Webb, o mercado de tecnologia tem agora incentivos errados, uma vez que as empresas lucram com melhorias incrementais dos produtos. "Assim, os desenvolvedores focam em velocidade na implementação de projetos e em escala, não em segurança; não há prêmios para o aplicativo que garante mais privacidade ou polui menos."

Essa condição do mercado também inibe o surgimento de novos competidores, uma vez que as grandes empresas detêm infraestrutura para atender à demanda já estabelecida.

A futurista expressou preocupação com a concentração de poder e influência das grandes empresas de tecnologia nesse momento sensível. "Se não houver intervenções, podemos acabar em cenários catastróficos."

"O superciclo econômico da tecnologia concentra dinheiro e poder nas mãos de um grupo pequeno de pessoas, porque eles concentram nossos recursos tecnológicos e como nos comunicamos", disse Webb.

Para Webb, a espera por uma messias tecnológico abre caminho para um pensamento autoritário baseado no domínio da tecnologia, chamado de "tecnoautoritarismo de livre mercado". "Nós não precisamos de salvadores e sim de melhor planejamento."

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