O duelo entre EUA e China pelo domínio da internet

Concorrência entre as duas maiores potências globais extrapola política e economia e se estende ao mundo digital

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Rodion Ebbighausen
Deutsche Welle

Existem atualmente duas versões concorrentes da internet. De um lado, estão os Estados Unidos e monopólios privados como Meta, Alphabet e Apple, e onde o consumo e o comércio estão em primeiro lugar.

Do outro, está a China, onde a internet se caracteriza por ser uma plataforma de serviços e monitoramento e na qual empresas como ByteDance, Alibaba e Tencent têm soberania de mercado quase ilimitado.

A versão chinesa, conhecida como "Rota da Seda Digital", faz parte de algo mais amplo, a Iniciativa do Cinturão e Rota (em inglês: Belt and Road Initiative), uma estratégia adotada pelo governo chinês para aumentar sua influência na Ásia e além dela.

Feira de tecnologia em Xangai, na China - Aly Song - 17.mar.2021/Reuters

"A China está tentando influenciar as normas globais por meio de padrões técnicos e fóruns multilaterais", destaca o relatório Rota da Seda Digital da China, do think tank de Londres Article 19.

Por exemplo, no contexto da Conferência Mundial da Internet, realizada anualmente desde 2014 pela própria China, o modelo chinês enfatiza a "soberania digital", o "controle estatal" e se concentra em "segurança cibernética, censura e vigilância".

Uma origem, dois sistemas

Por trás dessas duas versões distintas, existem duas visões de mundo diferentes. Isto também pode ser visto na forma como a internet é coordenada nos dois países.

"A maioria das regulamentações nos EUA visam garantir a liberdade empresarial, enquanto na China a segurança nacional (e, portanto, considerações políticas) desempenham um papel essencial", destaca Stefan Schmalz, sociólogo da Universidade de Erfurt, na Alemanha, em seu ensaio "Varianten des digitalen Kapitalismus: China und USA im Vergleich" (Variantes do capitalismo digital: China e EUA em comparação).

O fato é que ambas as versões da internet ainda se baseiam na mesma tecnologia básica (HTML, TCP/IP, etc.), mas se desenvolveram separadamente no decorrer da Web 2.0, que existe desde a virada do milênio.

Desde então, os usuários têm acesso a aplicativos mais fáceis de usar, fornecidos pelas gigantes da tecnologia, como Instagram, WhatsApp, Amazon, etc.

Na China, plataformas paralelas equivalentes foram desenvolvidas. O equivalente chinês do WhatsApp, por exemplo, é o WeChat. Para a maioria dos usuários, ambas as versões representam dois mundos separados que não se comunicam entre si.

A ruptrura

A China começou a dissociar-se da internet, que era dominada por empresas americanas, em 1998. Na época, o Partido Comunista Chinês criou o chamado Grande Firewall para filtrar conteúdo indesejado do exterior.

Em 2010, o Google retirou-se da China após não conseguir chegar a um acordo sobre as diretrizes de censura com o governo, entre outras coisas.

Em 2011, foi fundada a autoridade que regula a internet na China nacional e é responsável pela censura online (e organiza a Conferência Mundial da Internet). O departamento agora se chama Administração do Ciberespaço da China.

Desta forma, a China criou um mercado bem definido, com 1,4 bilhão de usuários chineses, no qual as suas próprias empresas digitais cresceram e prosperaram.

O caminho especial da China ter sido bem-sucedido, num certo sentido, também pode ser visto pelo fato de os gigantes chineses da internet serem agora bastante competitivos com os dos EUA. A única rede social que não vem dos EUA e ainda é competitiva globalmente é o TikTok, da China.

A luta pela internet do futuro

Mas a China –como mostra o caso TikTok– já não se contenta em ser o mundo paralelo. Pelo contrário: quer se expandir. O debate sobre a internet do futuro já se arrasta há muito tempo.

O setor privado, os interesses políticos e geopolíticos estão se misturando na batalha pela tecnologia chave da internet.

O melhor exemplo é a disputa envolvendo a Huawei, uma das mais importantes empresas de equipamentos e hardware de telecomunicações do mundo e maior fornecedora de tecnologia 5G.

Críticos nos EUA e no Ocidente acusam a empresa de usar "um cavalo de Troia" para entrar nos países estrangeiros —com o argumento de que, em última análise, a Huawei é obrigada a fornecer informações ao Partido Comunista Chinês.

Clive Hamilton e Mareike Ohlberg descreveram a empresa no livro "The Silent Conquest" como o melhor exemplo de "como o Partido combina espionagem, roubo de propriedade intelectual e operações de influência".

A Huawei, porém, sempre negou as acusações, e até hoje não há evidências de que a empresa realmente instale os chamados backdoors para espionagem.

Influência da China no Indo-Pacífico

Independentemente disso, a dicotomia do mundo da internet continua se espalhando. Em novembro de 2022, a Comissão Federal de Comunicações (FCC) dos EUA proibiu a importação e comercialização de determinados produtos Huawei nos EUA por razões de segurança nacional.

No final de 2023, a China emitiu uma diretriz determinando que os computadores governamentais não usassem chips Intel ou software Microsoft o mais rapidamente possível.

Os países terceiros que não têm a sua própria indústria tecnológica estão tendo que, cada vez mais, decidir de que lado ficar.

Os EUA foram os líderes durante muito tempo, mas no Indo-Pacífico e especialmente no Camboja, Paquistão e Tailândia, mas também na Malásia e no Nepal, a China ganhou influência significativa, de acordo com o think tank Article 19.

Nenhum país foi tão longe quanto o Camboja. "É o melhor exemplo de um país que adota o autoritarismo digital ao estilo chinês. Desde 2021, o Camboja tem trabalhado para introduzir a sua própria versão do Grande Firewall como parte de um portal nacional da internet", afirma o estudo.

Segundo os autores, a China tem cada vez mais sucesso na restrição da internet livre, aberta e interoperável com a sua Rota da Seda Digital.

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