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Idoso autônomo e independente é quem mais procura delegacia especializada
LUISA PESSOA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
A rampa de mármore dá acesso a um largo corredor iluminado pela luz natural de uma claraboia. No fundo, um jardim de inverno e, nas laterais, as salas de chefia, do cartório e do refeitório. "Aqui era a carceragem do 35º Distrito Policial, que foi bem adaptada", diz o delegado José Ferreira Ielo, desde novembro do ano passado à frente da Delegacia do Idoso da Seccional Jabaquara. "Está vendo a espessura dessa parede? Isso era uma cela."
O ambiente adaptado demonstra que a introdução de delegacias voltadas ao público idoso no aparato policial é algo recente. Foi apenas em 1991 que um decreto criou as primeiras delegacias do tipo no Estado de São Paulo. Atualmente são 8 unidades na cidade de São Paulo --uma em cada Delegacia Seccional de Polícia--, e 18 no interior do Estado e Grande São Paulo.
Marcelo Souza Almeida/Folhapress | ||
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O delegado José Ferreira Ielo, à frente da 2ª Delegacia Especializada de Proteção ao Idoso da cidade de São Paulo desde 2010. |
Isso significa que existe, em média, uma delegacia do idoso para cada 167 mil idosos na capital. No interior e Grande São Paulo, a proporção é de uma unidade a cada 190 mil idosos. Outra delegacia especializada, a da mulher, serve em média 658 mil mulheres por unidade na capital e 127 mil no restante do Estado. O número total de delegacias, especializadas e comuns, no Estado de São Paulo é de 2.077. O que, por sua vez, significa que existe uma delegacia para cada 19 mil habitantes.
As delegacias do idoso atendem os delitos listados no Estatuto do Idoso, como a discriminação, o abandono - caso que acontece, por exemplo, quando nenhum familiar busca o idoso depois de uma alta hospitalar - e a apropriação indébita - como ficar com o dinheiro da aposentadoria - de maiores de 60 anos.
A Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo não tem o levantamento do número total de inquéritos e boletins de ocorrências feitos nessas delegacias desde sua criação. Mas o delegado Ferreira Ielo diz que sua delegacia atende cinco casos por dia, em média. Segundo ele, em delegacias comuns, que atendem todo tipo de público, esse número pula para 30 atendimentos. No entanto, ele diz, elas não possuem o atendimento diferenciado que caracteriza as delegacias especializadas no público idoso.
Segundo ele, a maioria dos casos registrados está relacionada a "parentes que querem se aproveitar". "Vem mais do que gente que é maltratada. A maioria são problemas relacionados à família", diz. O delegado diz que existem muitos casos de filhos e netos que não deixam o idoso administrar sua própria aposentadoria, e usam este dinheiro para outros fins.
A assistente social da delegacia, Cristiane dos Santos Correa, completa: "A gente se surpreende porque aqui encontramos a família real e não a família ideal que temos na nossa cabeça. Nem a família tem o comportamento que esperávamos, nem o idoso é 'bonzinho'". Para ela, o comportamento da pessoa ao longo da vida repercute no seu envelhecimento.
Ela diz que existem casos em que os idosos, quando mais novos, maltratavam seus filhos, o que fez com que, hoje, esses mesmos filhos se recusem a cuidar dos pais. Cristiane diz que seu papel nesses casos é o de tentar mostrar para os filhos que, mesmo que eles não queiram ter uma relação afetiva com os pais, devem garantir seus direitos mínimos de saúde e cuidados.
Segundo Cristiane, cada faixa etária costuma sofrer delitos específicos. O abandono geralmente acontece com maiores de 70 anos. A denúncia, nesses casos, vem de vizinhos, cuidadores e pessoas próximas.
Já os casos de pessoas na faixa dos 60 são, em maioria, de apropriação indébita. "Nesse caso o próprio idoso vem aqui fazer a denúncia. São pessoas que têm autonomia, que sabem e vão atrás dos seus direitos", diz ela.
ESPECIALIZAÇÃO X UNIVERSALIZAÇÃO
Para tentar descobrir o perfil dos idosos que recorriam às delegacias comuns e às da mulher, assim como o atendimento que recebiam nesses lugares, Amanda Marques de Oliveira, mestre em antropologia social pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), analisou por dois anos (entre 2005 e 2006) o cotidiano e os boletins de ocorrência de duas delegacias (uma da mulher e outra comum) de uma cidade do interior do Estado de São Paulo.
Sua conclusão foi que os idosos que mais buscavam os serviços da polícia eram pessoas entre 60 e 70 anos, que tinham renda própria e eram, muitas vezes, provedores de suas famílias. A maioria das denúncias era de ameaça e lesão corporal dolosa (com intenção) e os agressores eram familiares.
Oliveira notou que, ao contrário do que apontavam os boletins de ocorrência e sua observação em campo, os policiais de ambas as unidades diziam que crimes contra idosos não eram reportados em suas delegacias. Na delegacia comum, isso era explicado com o argumento de que esse tipo de delito era reportado apenas nas delegacias da mulher.
Em ambas as unidades, Oliveira observou que os casos trazidos por maiores de 60 só eram considerados pelos funcionários como violência contra o idoso se trouxessem a dimensão do velho como indefeso e dependente. Queixas de idosos ativos e autônomos não tinham, portanto, esse status.
Outro problema levantado por Amanda é que as delegacias, tanto a comum, quanto a da mulher, não tinham qualquer atendimento diferenciado, treinamento ou sensibilidade para os problemas trazidos por idosos.
Amanda não dá um veredito sobre se delegacias especializadas são melhores ou piores que delegacias comuns: "O ideal seria que todas as delegacias dessem um atendimento adequado a todos os públicos. Mas existem formas específicas de discriminação que incidem sobre determinados grupos e as delegacias especializadas têm conseguido trazer um atendimento melhor."
A pesquisadora espera que elas contribuam para que as delegacias comuns passem a melhorar seu atendimento e a especialização não seja mais necessária.
O delegado Ferreira Ielo defende a especialização: "Ninguém põe na cabeça que isso aqui, assim como a delegacia da mulher, é superessencial. A pessoa que trabalhou a vida inteira chega ao fim da vida e tem que ter um atendimento respeitoso por ser alguém de idade".
No entanto, ele não vê necessidade de treinamento ou formação dos funcionários dessas delegacias para o atendimento do público idoso. "Não temos um treinamento específico, assim como existe um departamento de homicídios e não existe escrivão ou investigador especialistas em homicídio. Como eles aprenderam? No dia a dia, buscando experiência, aprendendo com quem está lá mais tempo. Então não faz falta um curso específico desde que você tenha um delegado consciente a mostrar o caminho."
Para Ielo, a maior deficiência de sua delegacia é a falta de assistentes sociais. Atualmente, só Cristiane Correa trabalha na delegacia. "Eu gostaria de ter pelo menos mais duas", afirma, "Com isso, poderíamos apurar com mais rapidez em campo as queixas que recebemos".
A assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo não soube informar se a política de segurança da atual gestão pretende manter, reduzir ou ampliar o número de delegacias especializadas: "Isso você tem que checar com o governo".
Contatada, a assessoria de imprensa do governador informou que iria checar a informação com a Secretaria de Segurança Pública. Até o fechamento da reportagem, não foi recebida nenhuma resposta, de ambos os lugares, a essa pergunta.
LUISA PESSOA participou da 52ª turma do programa de treinamento em jornalismo diário da Folha, que foi patrocinado pela Philip Morris Brasil, pela Odebrecht e pela Syngenta.
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