Há 20 anos, Zeca Pagodinho disse ao 'NP' que preferia o anonimato

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São Paulo

Casado, pai de quatro filhos e a dois anos de completar quatro décadas de vida.

Esse era o Zeca Pagodinho em janeiro de 1998, poucos meses após o lançamento do seu 11º disco, "Hoje é Dia de Festa" (1997), que naquele início de ano já alcançava o número de 300 mil cópias vendidas.

Na época, a então repórter do jornal "Notícias Populares", Cristina Rigitano, aproveitou sua estadia no Rio de Janeiro para registrar um bate-papo com o artista. A conversa foi publicada com exclusividade em 1º de fevereiro de 1998.

Leia a íntegra da entrevista:

POR CRISTINA RIGITANO
DO RIO DE JANEIRO

Zeca Pagodinho vai fazer uma super festa do samba na próxima sexta, na casa de shows Tom Brasil, em São Paulo. É o show do CD "Hoje é Dia de Festa", que já vendeu 300 mil cópias.

Como bom malandro, ele fica irritado quando jornalistas interrompem seu chopinho para fazer sempre as mesmas perguntas.

Pagodinho só não perde a paciência quando o assunto é bebida e mulher.

Adora uma loira gelada. Morena também serve. Não discrimina ninguém. Que o diga a mulata boazuda que quase fez o pagodeiro perder o fio da meada durante nossa entrevista. "Nossa senhora" Que beleza!", babou o astro.

 

Notícias Populares - Você virou "cult"?

Zeca Pagodinho - "Cu o que?"

Agora, além do público fiel, a classe média também está curtindo seu trabalho

Sim. Mas eu continuo o mesmo Zeca. Não mudei nada.

Você agora tem até apartamento no Leme (zona sul do Rio, onde as pessoas têm mais grana)...

É. Mas também, 'pera aí', depois de 10 anos de luta, se não tiver nada, pô...

Mudou alguma coisa no seu trabalho?

Não. Continuo fazendo as coisas que gosto, cantando meu samba, tomando minha cervejinha

Por que você só estourou com "Deixa Clarear"?

Eu, Fundo de Quintal, Almir Guineto, Jovelina Pérola Negra A gente sempre esteve aí. Só que antes eu estava fora da mídia. Mas meu público sempre foi muito fiel. Sempre vendemos bem. O disco anterior ao "Deixa Clarear" vendeu mais de 150 mil cópias. É que a gravadora trabalhou mais o "Deixa Clarear". Eu tinha acabado de mudar pra gravadora PolyGram.

Onde você mora?

Moro em Xerém (Baixada Fluminense).

Você é nascido, criado e passou a vida toda no bairro de Irajá (zona norte). Por que mudou?

Porque gosto de Xerém. Meus filhos gostam de lá. Lá ainda tem um ar puro. Dá pra criar uma cachorrada boa, um cavalinho pangaré, andar de charrete São 25 minutos de Irajá.

Dizem que você bebe muito. É folclore?

Eu bebo como todo mundo bebe. Mas eu não fico bêbado. Sei beber. Eu bebo uma cervejinha legal.

Todo dia?

Todo dia.

Mas você não tinha parado com a bebida?

O que? Parar? Não. Não bebo pra morrer. Bebo porque gosto de beber. Não bebo pra me suicidar. Eu sei beber.

É verdade que para trabalhar com você tem que beber?

É. Preferência eu dou a quem bebe.

Por que?

Porque sim. Para alegrar. Para fazer companhia. A gente se entende melhor (com quem bebe), tem mais afinidade. Gosto de chamar os empregados para beber também. Gosto que os empregados bebam comigo porque lá em casa só eu bebo uma cervejinha. Minha mulher não bebe. Meu sogro não bebe. Minha sogra não bebe. Beber sozinho não dá. Preciso dos parceiros.

Você bebe com os funcionários. Na sua casa não há diferença entre patrão e empregado?

Não. Lá em casa é todo mundo igual. (Nesse momento ele interrompe o papo para mexer com uma mulata). Minha nossa!!! Olha que beleza!!!

Você é mulherengo?

Não. Já fui. Hoje estou parado.

Por que parou?

Tô cansado, pai de quatro filhos, 38 anos

Você ganhou fama e dinheiro e continua simples?

É isso aí. Fico puto se não me tratam de igual para igual.

É verdade que você acorda tarde todos os dias?

Acordo cedo. Durmo cedo.

Então, por que inventam tantas histórias a seu respeito?

Sei lá. É a mídia.

Isso não te prejudica? A mulher não reclama?

Não. Mas me chateia mesmo quando falam alguma coisa para me engrandecer. Eu não gosto. Quero que falem só o que eu sou. Não me prejudica em nada. Quem não sabe da minha vida? Não tenho segredo de nada. Todo mundo sabe quem eu sou. O que eu tenho que fazer, faço para todo mundo ver. Não faço nada escondido. Ia me prejudicar em que? A mulher (Mônica) já está calejada. Já sabe quem eu sou. Vivemos juntos há 10, 11 anos. Tenho cuidado para não tropeçar.

O que falaram que te incomodou?

A mim, nada. Nem leio o que escrevem. O problema é o público, a ideia que as pessoas acabam fazendo de mim. O público que não me conhece, pensa que sou um bêbado. Eu bebo, mas não perco o juízo. Pode perguntar a qualquer um.

Como ganhou o apelido de Zeca Pagodinho?

Foi no Boêmios do Irajá, onde eu era mascote da ala dos pagodinhos. Era um bloco que eu saia há uns 20 anos.

Como você é em casa?

Sou muito tranquilo. Sou uma pessoa normal. Sou igual a qualquer um. Vejo desenho animado, brinco com meus filhos, assisto televisão...escuto rádio, disco

Mas você tem muitas histórias Quando dá entrevistas na TV, você tem sempre uma piada, um "causo" para contar

Não tenho história, meu amor. Não sou Monteiro Lobato para contar história. E piada não se fabrica, acontece na hora.

Quando e com que música você estourou?

Meu primeiro sucesso foi em 86, com a música "Brincadeira tem hora" (vendeu quase um milhão de cópias).

Como você encarou as críticas ao novo disco, "Hoje é Dia de Festa"?

Bem, né? Eu nem leio. Eu faço o meu trabalho e acabou.

Não se interessa em saber o que pensam do seu trabalho?

Sinceramente, não. Podem meter o malho, que não tô nem aí. Não ligo.

Você não se interessa em saber se o público está gostando?

Eu sei que está porque eu vejo. Eu ando na rua, eu ando no botequim.

Você não gosta de falar com a imprensa?

Fico bastante impaciente. Sou impaciente. Eu sou assim. É minha maneira de ser. Não é que eu não goste de dar entrevista. É que acho que eu não tenho muito para falar. Não fica triste não. Eu sou assim mesmo. Mas pelo menos, não sou falso. Não sou papagaio.

Já teve dificuldades na carreira?

Já tive várias.

Já pensou em parar?

Já.

Por quê?

Porque me cansa. Não tenho estrutura para isso. Não adianta eu dizer que tenho porque não tenho. O cara vem me perguntar: 'O que você acha da cultura?' Não acho nada. Não me pergunta isso porque eu não sei responder. Não tenho muita coisa a dizer.

Mais uma que você não vai gostar: você influenciou os novos pagodeiros?

Eu não tenho influência nenhuma, não influenciei ninguém. Eu gosto de cantar samba. Gosto de viver e mais nada. Não tenho influência em nada. Só gosto de samba.

Como você começou?

Nem eu me lembro direito. Eu trabalhava num escritório. Gostava de ir para o samba, cantava no samba, fazia minhas músicas.

Você se arrepende de ser artista?

Não me arrependo porque estou vivo. Mas preferia ser anônimo. Na verdade eu preferia só sombra e cerveja gelada. Nem água fresca eu queria.

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