Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

Agora, golpe na Turquia está dando certo

O estado de emergência que o presidente Recep Tayyp Erdogan acaba de decretar nesta quarta-feira (20) na Turquia deveria chamar-se, mais propriamente, de estado de exceção.

O que está se instalando na Turquia é de fato um regime de exceção, que não tem parentesco com a democracia nem com o respeito ao devido processo legal.

É óbvio que Erdogan tem todo o direito de perseguir os responsáveis pela tentativa de golpe que fracassou na semana passada. Mas o que ele está promovendo é uma caça às bruxas ou, mais exatamente, ao Hizmet ("Serviço"), o movimento comandado pelo pregador islâmico Fetullah Gülen.

O caso dos juízes e funcionários da Justiça e os de Educação denuncia o jogo: é impossível saber, em apenas dois ou três dias, quais deles estão de fato envolvidos no golpe fracassado. No entanto, exatamente 2.745 juízes foram suspensos, primeiro, e depois sujeitos a ordens de prisão, logo após o golpe.

A lógica é esta: o golpe, segundo Erdogan, foi tramado por Gülen. Logo, todos os simpatizantes do movimento são "golpistas" e devem ser perseguidos.

Como é que o governo sabia quais juízes e/ou funcionários da Educação eram "gulenistas"? Simples: Erdogan e Gülen colaboraram estreitamente, até o rompimento entre eles em 2013, no preenchimento de cargos no aparelho estatal e na educação, para livrar o Estado das sementes autoritárias plantadas pelos militares que foram o poder de fato na Turquia até a ascensão dos islamitas do AKP (Partido Justiça e Desenvolvimento).

Logo, o AKP sabe quais funcionários ele próprio indicou e quais foram indicados pelo "gulenismo". Consequência inescapável: o expurgo se concentra nestes, ainda que esteja apenas começando o processo para apurar as responsabilidades pelo golpe frustrado.

É típico de regimes de exceção que as pessoas deixem de ser inocentes até prova em contrário e, sim, culpadas independentemente de elas existirem ou não.

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