Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

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Jaime Spitzcovsky

Trump, China e a guerra comercial

O presidente dos EUA, Donald Trump, acena com mudança, em 2018, nos rumos da política para a China. Ameaça substituir a "diplomacia Arabella", apelido da relação cordial cultivada com Xi Jinping, por guerra comercial, com sanções econômicas e a deterioração da relação bilateral mais relevante do planeta.

O objetivo de Trump é pressionar Pequim para arrancar, com intervenção chinesa, recuos do ditador norte-coreano, Kim Jong-un, nos programas nuclear e de mísseis. Ao "The New York Times", o presidente americano disse: "A China pode resolver o problema da Coreia do Norte, e eles estão nos ajudando e estão até nos ajudando muito, mas não estão nos ajudando o suficiente".

Um tuíte de Trump encorpou a saraivada diplomática, ao acusar Pequim de permitir violação do embargo internacional da venda de petróleo à dinastia Kim. A China, principal aliado do regime norte-coreano, negou a acusação.

A temperatura dos laços entre Pequim e Washington subiu em novembro. Song Tao, enviado do governo chinês, viajou à Coreia do Norte e não foi recebido por Kim Jong-un, em sinal de irritação do ditador norte-coreano com a aproximação de Xi com a Casa Branca.

Dias depois do périplo de Song Tao, a ditadura norte-coreana testou novo míssil intercontinental. Tuítou então Trump: "O enviado chinês, que retornou recentemente da Coreia do Norte, parece que não obteve nenhum impacto sobre o Pequeno Homem Foguete".

O clima continuou a azedar com a recente divulgação do plano de segurança nacional dos EUA. A China, ao lado da Rússia, foi agraciada com rótulos como "rival econômico" e "poder revisionista".

O documento resgata, no que se refere à China, o tom belicoso da campanha presidencial trumpista. Em palanques, o candidato republicano acusava o avanço econômico chinês, ao atrair empresas multinacionais, de "roubar empregos de americanos".

A retórica agressiva da campanha, no entanto, esmaeceu com a chegada de Trump à Casa Branca. Já em abril, menos de três meses após a posse, o presidente jantava, em sua residência na Flórida, com Xi Jinping, num encontro permeado por lisonjas.

O charme familiar coube a Arabella, 6, neta de Trump. Levada pelos pais, Jared Kushner e Ivanka Trump, ela cantou em mandarim para Xi, que elogiou a performance e o domínio do idioma, estudado pela criança em uma escola nova-iorquina.

Dois meses atrás, Trump aterrissou em Pequim, e Arabella apareceu novamente, mas em vídeo. Recitou poesias ao presidente chinês, a quem chamou de "vovô Xi".

Trump, para engendrar a atmosfera cordial, deixa claro as regras do jogo: trocar promessas eleitorais, de guerra comercial, por ação da China para domar a ameaça norte-coreana. Mas, sem recuos de Kim, Trump pressiona Pequim, em estratégia a adicionar instabilidade no cenário global.

Embora a ideia soe como ultraje à cartilha trumpista, entusiasta do unilateralismo, um diálogo multilateral, com participação da China, Rússia, Japão e Coreia do Sul sobrevive como alternativa promissora para diminuir as tensões provocadas por Kim Jong-un.

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