Juca Kfouri

Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.

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Juca Kfouri

Ponham cartazes nos centros de treinamento: Driblem à vontade!

Crédito: Oli Scarff/AFP Leroy Sané dribla marcadores em jogo do Manchester City contra Newcastle
Leroy Sané dribla marcadores em jogo do Manchester City contra Newcastle no sábado (20)

Leroy Sané rima com Mané.

Rima sem rimar porque a pronúncia de seu nome é como se em vez do acento agudo ele tivesse um circunflexo.

Não faz mal.

Importa que no sábado (20) o jovem alemão, filho de mãe germânica e pai senegalês, fez pela esquerda, e não pela direita onde Garrincha reinava, uma série de fintas que Mané assinaria, com dribles desconcertantes dentro da área, como se sobre um lenço, para deixar quatro zagueiros do Newcastle sem pai nem mãe e passar para Agüero fazer o terceiro gol da vitória do Manchester City, por 3 a 1.

Sábado fez 35 anos da morte de Garrincha, objeto da melhor biografia já escrita em português sobre um jogador brasileiro, "Estrela Solitária", pela Companhia das Letras, em 1995, por Ruy Castro.

Garrincha reinava pela direita, como dito, e Leroy Sané reinou pela esquerda, mas, é bom lembrar, na Copa do Mundo de 1962, depois que o Rei Pelé distendeu a virilha no segundo jogo, contra a antiga Tchecoslováquia, Mané assumiu o comando da seleção, jogou por todos os lados do campo, fez gol de esquerda e até de cabeça.

O Alegria do Povo era o Charles Chaplin dos gramados, divertia as arquibancadas, e era impossível não gostar dele mesmo não sendo botafoguense.

Pelé deixava os estádios boquiabertos. Mané os fazia gargalhar.

Há quem diga que seus dribles não cabem mais no futebol de hoje em dia, arrematada bobagem que Sané tratou de desmentir mais uma vez.

Na semana passada mesmo, em entrevista para o UOL Esporte, Gérson, o Canhotinha de Ouro, lembrava o quanto sofreu ao jogar pelo Flamengo na decisão do Campeonato Carioca de 1962, 3 a 0 para o Glorioso. "Ele passava por um palmo de gramado, por onde era impossível passar".

Em agosto último foi a vez do colombiano Berrío, com a camisa do time rubro-negro, fazer um botafoguense de "João", como a lenda conta que Mané chamava todos os seus marcadores –e Ruy Castro nega ao garantir que é só folclore, coisa inventada pelo criativo jornalista Sandro Moreyra, botafoguense doente e amigo do mais extraordinário camisa 7 de todos os tempos.

Fato é que Berrío, com um drible da vaca dado de letra, honrou aquele pedaço do Maracanã que Garrincha frequentou com tanta alegria e onde fez história, uma das mais notáveis do futebol mundial.

Um alemão e um colombiano, Sané e Berrío.

Cadê o brasileiro driblador?

Existe melhor maneira de furar as famosas linhas de quatro que encurtam os espaços e exigem tanta paciência e troca de bolas para serem batidas?

Aí você vê uma porção de jogos da Copa São Paulo e, por mais que encontre jogadores promissores, não encontra nenhum que arrisque um mísero drible.

Estrela Solitária
Ruy Castro
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Para não deixar passar em branco a data de rememorar Mané, fica aqui uma sugestão aos treinadores brasileiros que têm idade para tê-lo visto jogar, antes que a memória dele se perca sem testemunhas, poucas imagens e só um livro imperdível: ponham cartazes, com letras garrafais, nos centros de treinamento, da base ao time principal, com três palavras; DRIBLEM À VONTADE!

O futebol ficará mais alegre e quem ousar vencerá.

É proibido proibir o drible.

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