Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Marcelo Leite

Está virando carne de vaca: todo final de ano agora, parece, o hemisfério Norte se vê castigado por intensas tempestades de inverno, e logo vem um negacionista –como Donald Trump, do alto de sua ignorância e sua vulgaridade– perguntar onde está o aquecimento global.

Bem debaixo de seu nariz, se ele ainda não estiver congelado –seria o caso de responder, caso a exasperação conseguisse superar a piedade. Isso para não falar do tédio causado por ainda ter de explicar, nesta altura, a diferença entre tempo (variação meteorológica) e clima (mudança climática planetária).

Problema: o homem é presidente dos Estados Unidos. Nada mais, nada menos. E seu país até aqui está sofrendo o golpe mais duro da atmosfera enraivecida, os rigores do que já se tornou meme sob o rótulo de ciclone-bomba.

Soa assustador, pois não? Há na rede um vídeo engraçado do comediante Vic Dibitietto em que ele corre desorientado pela neve perguntando o que é um ciclone-bomba: "Se fosse uma tempestade de neve, uma nevasca, eu saberia o que fazer, mas um ciclone-bomba?!"

Rir é o melhor remédio. Talvez o único.

O fenômeno que castiga a Costa Leste dos EUA, levando neve até para a Flórida, surge como uma espécie de furacão de inverno. Uma massa de ar frio vem do norte e se encontra com uma mais quente proveniente do sul. A pressão atmosférica cai, sinal de tempestade e dos ventos que virão.

Se a queda supera 24 milibars em 24 horas, os meteorologistas dizem que se trata de um ciclone-bomba, pela quantidade de energia envolvida. E toda essa energia na atmosfera, vem de onde?

Em última análise, do Sol. Sempre. A radiação de nossa estrela incide sobre a Terra e parte dela fica aprisionada perto da superfície graças aos gases do efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO2). A energia solar está por trás de tudo que acontece no clima, da evaporação da água do mar às piores borrascas.

Um ciclone-bomba como este não é inédito, portanto pode não ser resultado do aquecimento global provocado pelo homem, mas é sintomático que ocorra na virada de um ano que teve a pior temporada de furacões já registrada. Além disso, não é só a América do Norte que padece com o frio, mas também a Europa.

Por lá anda fazendo e acontecendo outra tempestade, que os britânicos apelidaram de Eleonora. O nome pegou. Aeroportos fechados, ondas gigantescas em Marselha, ventos de 150 km/h na França que chegaram até a Córsega e ali insuflaram incêndios florestais.

De novo, nada disso é inédito. Mas há indicações de que essas tempestades tendem a se repetir no hemisfério Norte por conta de alterações na corrente de jato ("jet stream') que funciona como um muro em torno do Ártico, dificultando a penetração de massas de ar gélido em direção ao sul.

Isso em condições normais, claro. Nos últimos anos, contudo, o que alguns climatologistas atribuem ao aquecimento global, essa barreira tem sofrido um tipo de bamboleio, lançando línguas mais extensas de ar frio no sentido da Europa e da América do Norte.

Sim, já vimos esse filme. Foi no ano passado, quando outra onda de frio varreu as terras ricas do norte, e o Observatório do Clima divulgou um vídeo para explicar o que está acontecendo.

Só não vê quem não quer.

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