Pablo Ortellado

Professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.

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Pablo Ortellado

Conservadores temem entregar a família aos quatro cavaleiros do apocalipse

Crédito: Reprodução/Facebook Mostra 'Queermuseu - Cartografias da Diferença na Arte Brasileira', que foi cancelada pelo Santander
Mostra 'Queermuseu - Cartografias da Diferença na Arte Brasileira', que foi cancelada pelo Santander

Se ainda havia dúvidas, 2017 provou que as guerras culturais existem e ocupam lugar central na política brasileira. Aborto, feminismo, exposições artísticas, ideologia de gênero e escola sem partido estiveram no centro do debate público e prometem desempenhar um papel relevante nas eleições de 2018.

Embora possamos encontrar raízes das guerras culturais brasileiras em processos mais antigos, elas apareceram com clareza em 2017 quando o conservadorismo laico forjado nas campanhas políticas contra os governos petistas se aliou com o conservadorismo religioso, evangélico e católico, cuja expressão política vinha se organizando há muito tempo.

Se olharmos o conteúdo das controvérsias morais a que damos o nome de guerras culturais, veremos que, do lado conservador, elas se concentram em grande medida na defesa da família. Não se trata apenas de defender em abstrato a normatividade da família patriarcal e heterossexual, mas, especificamente, de garantir o controle da formação moral dos filhos.

A grande preocupação, tanto da campanha da "escola sem partido", como a que travam os religiosos contra a "ideologia de gênero" é que os valores tradicionais ensinados em casa pelos pais não sejam questionados pelos educadores do sistema escolar. Os conservadores também são contrários à criminalização da homofobia, não porque defendem a agressão aos homossexuais, mas porque querem ter o direito de pregar contra as relações homoafetivas nos cultos religiosos. A campanha contra as exposições artísticas, em Porto Alegre, São Paulo e Belo Horizonte se deu, em grande medida, porque obras que contrariavam a moral convencional estavam abertas a crianças e à visitação escolar. E os ataques aos meios de comunicação em geral –e à Rede Globo em particular– sempre enfatizam que os veículos de massa estão insidiosamente entrando na casa das pessoas com mensagens que contrariam e agridem a família tradicional.

Em todos os casos, o que vemos é o sentimento conservador de que os pais estão perdendo o controle da formação moral dos filhos e de que a escola, as artes e os meios de comunicação estão invadindo a competência da família e da igreja e sabotando a ordem moral tradicional.

Isso se deve, em parte, ao fato de que as instituições de reprodução social de valores, isto é, as escolas e as universidades, as artes em todas as suas linguagens e os meios de comunicação de massa foram muito porosos à influência do que os conservadores veem como os quatro cavaleiros do apocalipse: o feminismo, o movimento negro, o movimento LGBT e a contracultura.

Mas há, além disso, muita distorção produzida pelas guerras culturais e é difícil saber o que nelas é mera desinformação e o que é fabricado de má-fé para a batalha.

Assim, no discurso conservador, feministas e ativistas trans não lutam por igualdade e por respeito: elas querem que todo o mundo questione e abandone o seu papel "de gênero", que mulheres se masculinizem, que homens experimentem virar mulheres e que todo mundo se torne homossexual. É nesta convicção delirante que está ancorada a ampla difusão de notícias falsas, como a de que professores do ensino infantil estariam obrigando meninos a usar saia e a passar batom, a de que professores do ensino médio estariam ensinando meninas a abortar ou a de que artistas e os museus estariam promovendo junto às crianças a pedofilia e o bestialismo.

Em 2018 seguramente veremos esses temas morais explorados nas campanhas eleitorais, sobretudo nas mídias sociais, nas quais o fervor moral dos milhões de soldados das guerras culturais será um importante vetor de difusão de propaganda política.

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