Sérgio Malbergier

É consultor de comunicação. Foi editor de "Dinheiro" e "Mundo".

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Extremismo avança, Ocidente recua

A tensão global provocada pelo tosco filme que difama o profeta Maomé evolui tristemente para a maior afirmação global de poder do islamismo fundamentalista dado o temor que gerou no Ocidente .

O polêmico filme que quase ninguém viu é um ataque grosseiro e desrespeitoso ao islamismo e deve ser condenado duramente nesses termos. Ele foi pobremente produzido por extremistas cristãos marginalizados e colocado na web sem causar comoção. Até receber tradução para o árabe e ser usado pelos extremistas para mobilizar as massas islâmicas em torno de sua agenda antiocidental que transfere a revolta pela precariedade local a supostos inimigos externos.

O filme em si não tem representatividade alguma e não justifica de forma alguma a mobilização cínica e violenta das massas, com cerco a embaixadas ocidentais, atentados e mortes.

O escritor indiano-britânico Salman Rushdie, que passou anos escondido após ter sido condenado à morte por clérigos islâmicos radicais, disse nesta semana que o livro que gerou a pena máxima, "Os Versos Satânicos", não seria editado nas condições de hoje.

Rushdie lembrou o assassinato por extremistas de seu tradutor japonês e o ataque a outros colaboradores do livro e deu um diagnóstico preciso sobre o avanço do extremismo islâmico: ele só será vencido por dentro, quando os moderados enfrentarem os extremistas, e não há nada que o Ocidente possa fazer.

Aliás, este é um diagnóstico consensual desde o 11 de Setembro, de 2001, mas os moderados até hoje seguem retraídos.

Claro, quem mais sofre com o extremismo islâmico não é o Ocidente, mas os próprios muçulmanos. O Taleban não oprime ocidentais, oprime afegãos. Mas uma parte dessa opressão começa agora a se propagar com mais força pelo Ocidente, como Rushdie apontou e a reação amedrontada dos líderes ocidentais sinaliza.

Artistas e publicações ocidentais que ousam publicar material considerado ofensivo ao islã o fazem hoje sob o risco de morte e depredação. O semanário satírico francês "Charlie Hebdo", que teve a sede incendiada ano passado por ataques irônicos a Maomé, voltou à carga no meio dessa confusão e publicou novas charges ironizando o profeta.

"Somos uma publicação que respeita a lei francesa", disse Gérard Biard, editor-chefe do "Charlie Hebdo". "Agora, se existe uma lei diferente em Cabul ou Riad, não vamos nos preocupar em respeitá-la", completou Biard, que foi pressionado pelo governo francês a não publicar as charges e, ao fazê-lo, obrigou a França a reforçar a proteção em suas representações diplomáticas pelo mundo.

Biard, como bom humorista, tocou no nervo. O extremismo islâmico projeta sua força pelo planeta com intensidade cada vez maior e cobra preço alto para quem o desafia em qualquer parte do mundo.

A tardia derrocada das ditaduras árabes abre um vácuo de poder que hoje só pode ser preenchido pelo extremismo islâmico, o único movimento que conseguiu resistir à opressão dos ditadores. E este islamismo extremo é tão religioso quanto é político. A vitória da Irmandade Muçulmana no Egito foi um marco desse avanço e dessa nova força.

A esperança é que com a responsabilidade de governar venha a moderação. Mas o começo não parece auspicioso. Enquanto o novo presidente egípcio demorou a criticar os ataques contra a Embaixada dos EUA no Cairo, a Irmandade Muçulmana, seu partido, insuflou e justificou os protestos.

O célebre arabista inglês Bernard Lewis explica que foi a introdução do modernismo ocidental no Oriente Médio no início do século 20 que propiciou as condições para o surgimento desses Estados autocráticos. Foi pelas ferrovias recém-importadas do
Ocidente que os governantes puderam enviar suas tropas para eliminar dissensões nos confins de seus reinos.

Agora, outra inovação importada do Ocidente, a democracia, traz uma nova forma de opressão, agora pelo islamismo extremista. O novo regime egípcio já começa a sinalizar endurecimento com as mulheres, por exemplo.

De qualquer forma, democracia será sempre melhor que ditadura. Só com ela a receita de Rushdie pode um dia dar certo: um ambiente político livre é o melhor lugar para os moderados combaterem os extremistas. O problema é que os moderados estão perdendo.

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