Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

Se for neurótico, não mande nudes

Crédito: Reprodução mensagem lida do whatsapp
Encarei aquele aterrorizante sinal de "recebido e lido" por mais de cinco horas

Quarta passada me olhei na banheira de casa e me achei bastante sexy. Ainda não era meio-dia e a claridade (somada ao fato de eu ainda não ter almoçado e, portanto, estar com uma barriga desinchada) favorecia demais algumas partes que sobressaiam pela espuma.

Meu mamilo esquerdo, que apelidei desde a adolescência de "o maior", insistia em se resfriar pra fora da água quente. Achei aquilo bastante provocativo e, antes do superego invadir o banheiro e me salvar das garras de um exibicionismo hipoglicêmico, cometi um nude.

Considerando que meu marido me vê pelada todos os dias e aproveita pra perguntar onde está o seu Sorine ou o seu iPad ou se ainda tem frango, não o considerei como primeiro da lista. Também não considerei ninguém do restrito grupo "pessoas que eu pegaria caso essa relação não dê certo", pois acredito que uma das coisas que ainda me liga cosmicamente a esses potenciais futuros-nada, é não mandar uma foto de um mamilo esquerdo semi-imerso quando ainda não é nem meio-dia.

Mas algo precisava ser feito com aquela pequena joia da autoflagelação virtual, com aquele mimo prazenteiro em formato de gota, com aquela ansiedade estranha invadindo meus tímpanos com o mantra "faz besteira, por favor, faz uma merdinha, vai, por favor".

Com a finalidade de destruir aquela pontual obsessão em abraçar o capeta, pensei em mandar pra minha mãe. Era um jeito de acatar as vozes, de encerrar o impulso mas, também, de saber que tudo ficaria embalado pelas etiquetas de "apenas piada", "uma criança grande" e "sou fofa e faço mamãe rir". Ela balançaria a cabeça achando graça e automaticamente deletaria. Seria pueril e sem grandes consequências e estaria tudo bem pra sempre.

Poderia enviar a alguma amiga também, ou a algum grupo só de mulheres, e escrever algo como "esse mamilo esquerdo passou só pra desejar que você peite o dia". Eu ficaria então protegida pelas etiquetas de "nossa amiga doidinha" ou "que figura!". E o dia seguiria como tantos outros: cheio de tédio e vontade de fazer besteira, de fazer merdinha.

Percorri os nomes no meu celular e cheguei até ele. Namoramos quando a idade nos permitia só planejar pequenas perversidades sexuais em vez de malabarismos para pagar um plano médico com internação no Sírio pra toda família. Hoje em dia, não morrer e não deixar ninguém que eu amo morrer toma quase todo meu tempo.

Encarei aquele aterrorizante sinal de "recebido e lido" por mais de cinco horas, me perguntando se o silêncio era devido a extrema saudade ou intenso amor mal resolvido. Passadas 12 horas, me perguntei se ele havia doado o celular pra sua avó ou se uma possível esposa estava armada e a caminho da minha casa. Passadas 20 horas, culpei a inevitável derrocada do colágeno e pude vê-lo absolutamente melancólico: "Mano, coitada, já foi tão melhor."

Desesperada, decidi então fazer o grupo "tá caído?" no WhatsApp e adicionei meu marido, minha mãe, minhas amigas, minha vizinha, minha dermatologista, a mulher que depila meu buço e minha antiga analista.

Mandei a foto pra mais de 15 pessoas e pedi sinceridade. Segundos depois o celular tremeu e eu corri, estava preparada pra ouvir a real. Era a foto da bunda dele.

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