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25/08/2004 - 03h24

Morador de rua diz que foi atacado por grupo

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FABIO SCHIVARTCHE
da Folha de S.Paulo

O olho esquerdo está roxo e fechado. A boca não tem dentes. O braço, ligado ao soro, fica permanentemente amarrado à cama, assim como as pernas. E a tosse não cessa um minuto.

Com afundamento de crânio, José Manuel da Cruz, um dos moradores de rua agredidos no centro de São Paulo na semana passada, afirma, num fio de voz: "Eram umas dez pessoas. E usaram um pau grande".

O olho direito, aberto, fica marejado. Ele se revira na cama do quarto 514, no quinto andar do Hospital Municipal Ermelino Matarazzo, na zona leste da cidade, para onde foi levado na madrugada da última quinta-feira.

A Folha esteve no hospital na tarde de ontem e conversou com exclusividade com duas das vítimas da chacina, que deixou seis moradores de rua mortos e nove feridos, todos hospitalizados. Na portaria do hospital, a reportagem se apresentou como parente de uma das vítimas.

Sem apresentar nenhum documento, subiu direto para o quinto andar, enquanto a funcionária da recepção verificava a lista de pacientes. Não havia reforço na segurança nem algum tipo de vigilância especial.

Com traumatismos no crânio e na face, ainda muito tensos, eles não correm mais risco de morte, segundo a equipe médica do hospital. Nem mesmo aos investigadores, que os visitaram no início da tarde, eles deram detalhes da cena do crime. Mas contaram a sua versão dos fatos.

Com muitas dificuldades para falar, Cruz, que tem lábio leporino, conta que não teve tempo para identificar os agressores. Como foi tudo muito rápido e estava escuro, tem dificuldade para descrevê-los. "Mas não vi tatuagens. E não vi nenhum careca."

Essas características são próprias de grupos neonazistas e de skinheads, que, segundo uma das linhas de investigação policial, podem ser os autores do crime.

Gaguinho

Cruz afirma ser natural do Rio de Janeiro. Teria vindo para a capital paulista em 1970. Diz que tem 49 anos e que seu apelido é "Gaguinho". Cabelo grisalho, aparenta um pouco mais.

Ele está muito magro. Veste um avental branco com fendas nas laterais. Debaixo da cama, a sonda está cheia.

Ele foi sedado e preso à cama com ataduras porque estava muito agitado. Os médicos temiam que ele se machucasse. Mesmo atado, revira-se
constantemente de um lado para o outro, ficando por vezes com parte do corpo inclinado para fora do colchão.

Ao seu lado está Edebrando de Oliveira, 73 anos, que não tem nenhuma ligação com a chacina e só está à espera de uma cirurgia no intestino.

Ele comenta: "Hoje ele já está falando melhor. Até ontem era impossível entendê-lo".

Edebrando é religioso. Vê o passar das horas lendo trechos da bíblia e ouvindo musicas e a pregação de pastores evangélicos no radinho que trouxe para lhe fazer companhia no hospital.

Ao som dos hinos religiosos e olhando pela janela para as centenas de casinhas que se abrem no horizonte da zona leste, Cruz lamenta sua trajetória: "Queria trabalhar e viver. Mas quase morri por aqui." E afirma ter uma certeza: "Se ficar bom, quero sair de São Paulo."

No quarto ao lado está Messias Rodrigues Moreira, outro dos 15 moradores de rua agredidos. Faltam-lhe os dois dentes da frente, mas lhe sobra disposição para conversar --e sorrir.

Conta que morava em Atibaia, cidade do interior de São Paulo, e que veio para a capital "porque é bem melhor, mesmo na rua, e porque tem emprego".

Questionado sobre o dia da chacina, no entanto, confunde-se. "Eu estava num posto de gasolina indo para Atibaia quando três homens voaram sobre mim. Eles acharam que eu estava cantando uma menina. Um deles quebrou uma vassoura na minha cabeça. E dói tanto!", afirmou à Folha.

Parentes que estiveram com ele nos últimos dias relataram que ele tem contado a mesma história, provavelmente misturando cenas da chacina com ficção.

Moreira, recolhido na manhã de quinta na rua XV de Novembro, chegou ao hospital ainda consciente. Disse para os médicos que estava dormindo e que não se lembra do que aconteceu.

Ele sofreu uma fratura do lado direito da face. Com cerca de 15 centímetros de pontos na cabeça e reclamando de dores e de um zumbido constante no ouvido direito, ele alterna as conversas com minutos de silêncio, durante os quais passa as mãos vagarosamente pela roupa branca que lhe deram no hospital.

Vestido com camisa e calça cedidos pelo hospital, Moreira parecia estar incomodado com a temperatura do quarto, que tem teto de concreto.

Enquanto falava, cobria-se com uma manta até a cabeça, para depois desenrolá-la.

Na tarde de ontem, vomitou depois do almoço. Mas, para as enfermeiras que lhe visitavam, pedia mais comida. E sorria.

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