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A doença de Mário Covas virou um show

Para avaliar o impacto do sofrimento do governador Mário Covas na opinião pública, a publicitária Rose Saldiva reuniu este mês 377 leitores de jornais das classes ABC, moradores de São Paulo.

Eles foram divididos em grupos e estimulados a falar sobre medos, esperanças e indignações. Solidariedade, compaixão, pena, admiração foram as manifestações previsíveis, provocadas pelo câncer de Covas.

Mas quem acabou mesmo no tomógrafo foi a imprensa. Além da previsibilidade das emoções, as frases revelaram indignação dos entrevistados ao que consideram a doença do sensacionalismo da mídia, municiada pelos médicos.

A pesquisa detectou um incômodo, nos limites da irritação e ojeriza, ao comportamento de médicos e jornalistas, acusados de fazer do calvário do governador um show, dividido em capítulos.

O mal-estar é compartilhado por 87% dos entrevistados. Veja a alguma frases registradas nos debates dos grupos sobre a cobertura:

1) "São impessoais, insensíveis e sensacionalistas";

2) "Os fotógrafos são muito cruéis. Vi uma foto do Covas sendo carregado, pesaroso, e os médicos sorrindo para a câmera".

3) "Tudo o que vejo não é um tratamento nem um esforço de cura, mas uma conferência";

4) "É claro que alguma coisa, eles (médicos e jornalistas) têm a ganhar com essa doença do Covas. Menos ele, menos a família dele e menos os 160 milhões de brasileiros";

5) "Olhando aquele material de jornal e de televisão, mais parece uma aula de ciência do primeiro ano de Medicina";

6) "Para mim, esses médicos não passam de Mr. M. Desvendam o truque. Mas não fazem a mágica";

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Não estou aqui dizendo que a imprensa não tenha propensão para se entusiasmar com informações trágicas que seduzam o leitor.

Entre a notícia que provoca sensação e o sensacionalismo há um limite tênue. Atrair o leitor integra o DNA da imprensa. Como se expõe um fato que por si só já provoca sensação é o que vai definir o sensacionalismo.

Não vou também defender médicos. Como os jornalistas, eles também escorregam na vaidade, encantados por câmeras e flashes.

O próprio leitor tem um comportamento dúbio. Ao mesmo tempo em deglute vorazmente cada detalhe da doença -- funcionamento da bolsa de colostomia, para substituir o intestino, por exemplo -- ele se incomoda com contato tão íntimo com a fragilidade humana.

A essência do apelo dramático de Covas está em lembrar a todos, a cada instante, a fragilidade de cada um.

Torcer por ele é torcer por nós mesmos. Mas imprensa, com seus termos científicos e desenhos explicativos não torcem, relata friamente. À medida em que expõe a decadência física, embute o suspense de uma contagem regressiva.

O próprio governador colabora para a crueza relatorial de sua luta com o tumor, ao determinar, num inusitado exemplo de transparência, que as informações sejam transmitidas à imprensa. Decidiu brigar com o tumor em público. Do mesmo jeito que brigou, de peito aberto, com professores acampados na frente da Secretaria da Educação.

É um briga, transformada em dor coletiva e multimídia, acompanhada em tempo real. As câmeras registram a inconformidade diante da mortalidade.

Covas tenta manter a rotina administrativa como se quisesse desprezar a doença, tentando acuá-la pela paixão ou vício da ação pública.

Revela o extremo da vulnerabilidade em cada novo exame ou na dificuldade de locomoção; e revela o extremo da grandeza a abnegação de fazer do viver o pensar na coletividade.

Até onde ele suporta?', todos perguntam, quase como se estivessem diante de uma versão do "No Limite".


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Vivemos na era do entretenimento, da mídia, do tempo real, do reinado das pesquisas de opinião, do marketing, ingredientes do que se batizou de sociedade de informação. Diluem-se as linhas que separam o entretenimento e a notícia.

O tempo real faz do presente uma força devoradora da noção de perspectiva de futuro e aprendizado do passado. É a ditadura do hoje, do agora.

Na sua luta contra a morte, Mário Covas acaba enquadrado pela cultura contemporânea da sociedade de informação (você vale quanto aparece) , e se transforma num pungente show. Um capítulo por dia.

A diferença é que um show de um grande homem público na vida real, que tem mostrado o respeito pela comunidade, numa terra de espertalhões.


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PS- A percepção dos leitores sobre Covas faz parte de uma pesquisa mais ampla sobre os humores do paulistano, intitulada "São Paulo, a morte anunciada". Uma das conclusões: "Os paulistanos se sentem órfãos, incrédulos e sobretudo ressabiados diante da morte iminente, quer econômica, quer física. Portanto acreditam que são órfãos de si mesmo". Clique aqui para fazer download de parte da pesquisa (em formato Powerpoint).

 
 
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