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05/05/2007
-
11h15
ANDREA MURTA
da Folha Online
Após meses de críticas mútuas cada vez mais duras, os Estados Unidos e a Rússia fizeram uma pausa nas hostilidades e firmaram um acordo nesta sexta-feira que permitirá negociar a implantação de um sistema de defesa antimísseis americano no leste europeu. Em vista da oposição ferrenha que os russos vêm impondo ao sistema, no entanto, nada indica que a negociação será bem sucedida.
Para o professor do Departamento de Política e Relações Internacionais da Universidade de Nottingham (Inglaterra) Matthew Rendall, especialista em União Soviética e em ética da dissuasão nuclear, os temores russos não são totalmente infundados. "O sistema de defesa que os americanos querem implementar na Europa pode ser desenvolvido no futuro para ser capaz de derrubar mísseis da Rússia", afirmou ele por telefone à Folha Online.
Na semana anterior, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, ameaçou retaliar a implantação do escudo antimísseis americano. A proposta dos EUA inclui instalar dez mísseis interceptores na Polônia e um radar ultra-aperfeiçoado na República Tcheca. Apesar das negativas de Washington, Moscou suspeita que os EUA considerem o arsenal de mísseis estratégicos da Rússia como um alvo.
Apesar do cenário de aparente perigo, o professor minimiza o risco. "Na minha opinião, atualmente nem o escudo funcionaria tão bem nem os americanos têm intenções militares contra os russos", diz Rendall.
"Nem se quisessem, não creio que os EUA podem se sentir seguros de que um ataque contra a Rússia não geraria uma retaliação de graves conseqüências para o território americano. Não acho que os russos devem se preocupar", acrescenta.
Risco inútil
Segundo o especialista, atualmente o arsenal de mísseis russos é tão grande que é impossível a um escudo ser eficiente no caso de ataque. Mas esse cenário pode mudar se o sistema for aumentado no futuro.
"A chance do arsenal russo se tornar vulnerável a um ataque no futuro e não mais servir como forma de prevenir ações é o que preocupa a Rússia", afirma.
Ainda que funcione com perfeição, a eficácia do sistema é limitado. O escudo antimísseis é inútil contra bombas levadas por terra e água, por exemplo.
Mesmo que não seja aumentado nem represente risco real para os russos, o desgaste das relações entre a Rússia e os Estados Unidos causado pelo plano já é estrago suficiente, diz Rendall. "Na minha opinião, o suposto benefício de implementar um sistema de defesa no leste europeu não vale a crise com o governo russo."
Vulnerabilidade
Questionado sobre a credibilidade da tese de que os EUA podem querer aumentar o sistema no futuro, Rendall lembrou que Estados costumam trabalhar tendo em mente os piores cenários possíveis. "Os russos não têm certeza alguma de que os americanos planejem minar sua capacidade de ataque, mas eles não querem correr esse risco."
As declarações recentes de Putin corroboram a afirmação do especialista. "Esses sistemas [de defesa] irão controlar o território russo até os montes Urais --se, é claro, não fizermos nada a respeito, mas vamos fazer", afirmou o presidente russo após negociações anteriores com os EUA. Putin comparou a instalação do sistema de defesa ao deslocamento de mísseis americanos na Europa durante a Guerra Fria, e disse que isso irá mudar toda o sistema de segurança da Europa.
Rendall afirma que, para muitos analistas, a capacidade russa está se tornando cada vez mais vulnerável a ataques. A economia russa está tão ruim que não é mais capaz de manter o desenvolvimento de suas armas. Isso daria, para o especialista, uma razão adicional aos russos para se preocuparem com o sistema de defesa americano.
O perigo da Otan
O especialista lembra também que o fato de a Otan (Organização para o Tratado do Atlântico Norte, aliança militar liderada pelos EUA) estar expandindo sua ação para o leste europeu por si só já é um fator de incômodo e preocupação para a Rússia.
"A Rússia acreditava que, após o fim da Guerra Fria, haveria um acordo implícito de que os EUA não buscariam expandir sua influência para o leste europeu", diz o especialista. "A mera entrada da Polônia e da República Tcheca na Otan já foi motivo de irritação para a Rússia. Colocar um sistema de defesa em seu território com certeza piora a situação."
Além dos dois países, outros ex-membros do Pacto de Varsóvia (organização militar liderada pela ex-União Soviética durante a Guerra Fria) também fazem parte da Otan, como Bulgária e Hungria --o que não agrada aos russos.
Com o aumento da tensão no leste europeu, Putin anunciou que deixará de cumprir temporariamente um acordo que limita a mobilização de tropas na Europa (o tratado sobre as Forças Convencionais na Europa, ou FCE). Para Rendall, o cancelamento reflete o crescente desacordo entre os EUA e a Rússia no que se refere a armamentos.
"Pessoalmente, creio que a culpa é do governo Bush. Não acho que eles estejam muito interessados no controle de armas", afirma. O especialista alerta ainda que há um risco, em resposta a esse desinteresse, da volta a uma corrida armamentista por parte da Rússia.
Solução
Para Rendall, a solução para o fim do impasse seria a adoção de tratados sobre controle de armas que tranquilizassem os russos quanto a seu poder de dissuasão. "Tratados inteligentes poderiam minar a capacidade dos EUA de organizarem um ataque à Rússia (e vice-versa) e dessa forma reconfortar os russos", afirma.
O especialista cita algumas possibilidades. A primeira delas seria banir os MIRVs (sigla para Multiple Independently-targetable Reentry Vehicles, que significa, em termos comuns, mísseis que carregam múltiplas bombas nucleares um único artefato). Os MIRVs já foram banidos no passado, no tratado Start 2, mas o governo Bush cancelou o acordo e hoje ambos os países ainda possuem este tipo de míssil.
Outra possibilidade seria se a Otan reduzisse radicalmente seu arsenal de armas convencionais. Atualmente, segundo Rendall, as armas nucleares são as únicas de que Moscou dispõe para contrabalançar a superioridade ocidental em armamentos convencionais --o que os deixa especialmente preocupados com qualquer coisa, como um escudo, que possa interferir com seu arsenal.
Mas, para isso, diz o especialista, seria preciso um [Mikhail] Gorbatchov, e não um Putin e um George W. Bush no poder. Resta agora esperar o resultado da negociação que será feita entre os dois países sobre o sistema de defesa americano, marcada para iniciar em setembro.
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Após meses de críticas mútuas cada vez mais duras, os Estados Unidos e a Rússia fizeram uma pausa nas hostilidades e firmaram um acordo nesta sexta-feira que permitirá negociar a implantação de um sistema de defesa antimísseis americano no leste europeu. Em vista da oposição ferrenha que os russos vêm impondo ao sistema, no entanto, nada indica que a negociação será bem sucedida.
Para o professor do Departamento de Política e Relações Internacionais da Universidade de Nottingham (Inglaterra) Matthew Rendall, especialista em União Soviética e em ética da dissuasão nuclear, os temores russos não são totalmente infundados. "O sistema de defesa que os americanos querem implementar na Europa pode ser desenvolvido no futuro para ser capaz de derrubar mísseis da Rússia", afirmou ele por telefone à Folha Online.
26.abr.2007/AP |
O presidente russo, Vladimir Putin, ameaçou retarliar escudo americano na Europa |
Apesar do cenário de aparente perigo, o professor minimiza o risco. "Na minha opinião, atualmente nem o escudo funcionaria tão bem nem os americanos têm intenções militares contra os russos", diz Rendall.
"Nem se quisessem, não creio que os EUA podem se sentir seguros de que um ataque contra a Rússia não geraria uma retaliação de graves conseqüências para o território americano. Não acho que os russos devem se preocupar", acrescenta.
Risco inútil
Segundo o especialista, atualmente o arsenal de mísseis russos é tão grande que é impossível a um escudo ser eficiente no caso de ataque. Mas esse cenário pode mudar se o sistema for aumentado no futuro.
4.mai.2007/AP |
A secretária de Estado dos Estados Unidos, Condoleezza Rice |
Ainda que funcione com perfeição, a eficácia do sistema é limitado. O escudo antimísseis é inútil contra bombas levadas por terra e água, por exemplo.
Mesmo que não seja aumentado nem represente risco real para os russos, o desgaste das relações entre a Rússia e os Estados Unidos causado pelo plano já é estrago suficiente, diz Rendall. "Na minha opinião, o suposto benefício de implementar um sistema de defesa no leste europeu não vale a crise com o governo russo."
Vulnerabilidade
Questionado sobre a credibilidade da tese de que os EUA podem querer aumentar o sistema no futuro, Rendall lembrou que Estados costumam trabalhar tendo em mente os piores cenários possíveis. "Os russos não têm certeza alguma de que os americanos planejem minar sua capacidade de ataque, mas eles não querem correr esse risco."
As declarações recentes de Putin corroboram a afirmação do especialista. "Esses sistemas [de defesa] irão controlar o território russo até os montes Urais --se, é claro, não fizermos nada a respeito, mas vamos fazer", afirmou o presidente russo após negociações anteriores com os EUA. Putin comparou a instalação do sistema de defesa ao deslocamento de mísseis americanos na Europa durante a Guerra Fria, e disse que isso irá mudar toda o sistema de segurança da Europa.
Rendall afirma que, para muitos analistas, a capacidade russa está se tornando cada vez mais vulnerável a ataques. A economia russa está tão ruim que não é mais capaz de manter o desenvolvimento de suas armas. Isso daria, para o especialista, uma razão adicional aos russos para se preocuparem com o sistema de defesa americano.
O perigo da Otan
O especialista lembra também que o fato de a Otan (Organização para o Tratado do Atlântico Norte, aliança militar liderada pelos EUA) estar expandindo sua ação para o leste europeu por si só já é um fator de incômodo e preocupação para a Rússia.
11.abr.2007/AP |
Secretário de Defesa dos EUA defende acordo sobre escudo |
Além dos dois países, outros ex-membros do Pacto de Varsóvia (organização militar liderada pela ex-União Soviética durante a Guerra Fria) também fazem parte da Otan, como Bulgária e Hungria --o que não agrada aos russos.
Com o aumento da tensão no leste europeu, Putin anunciou que deixará de cumprir temporariamente um acordo que limita a mobilização de tropas na Europa (o tratado sobre as Forças Convencionais na Europa, ou FCE). Para Rendall, o cancelamento reflete o crescente desacordo entre os EUA e a Rússia no que se refere a armamentos.
"Pessoalmente, creio que a culpa é do governo Bush. Não acho que eles estejam muito interessados no controle de armas", afirma. O especialista alerta ainda que há um risco, em resposta a esse desinteresse, da volta a uma corrida armamentista por parte da Rússia.
Solução
Para Rendall, a solução para o fim do impasse seria a adoção de tratados sobre controle de armas que tranquilizassem os russos quanto a seu poder de dissuasão. "Tratados inteligentes poderiam minar a capacidade dos EUA de organizarem um ataque à Rússia (e vice-versa) e dessa forma reconfortar os russos", afirma.
Chris O'Meara/AP |
George W. Bush defende a implantanção de um escudo antimísseis no leste europeu |
Outra possibilidade seria se a Otan reduzisse radicalmente seu arsenal de armas convencionais. Atualmente, segundo Rendall, as armas nucleares são as únicas de que Moscou dispõe para contrabalançar a superioridade ocidental em armamentos convencionais --o que os deixa especialmente preocupados com qualquer coisa, como um escudo, que possa interferir com seu arsenal.
Mas, para isso, diz o especialista, seria preciso um [Mikhail] Gorbatchov, e não um Putin e um George W. Bush no poder. Resta agora esperar o resultado da negociação que será feita entre os dois países sobre o sistema de defesa americano, marcada para iniciar em setembro.
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