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Nada
me deu tanta raiva quando, criança ainda, ouvi uma conversa
do pai com um amigo. Os dois se encontraram na rua, deviam ser íntimos,
quiseram falar alguma coisa que eu não deveria entender.
Como não falavam nenhum outro idioma ( o pai arranhava um
francês de rendez vous) eles apelaram para a língua
do "p".
Talvez não saibam o que seja isso. É uma espécie
de código primário, fala-se cada palavra repetindo
cada sílaba com um "p" intercalado. Exemplo: Ivo
viu a uva. Tradução na língua do "p":
Ipivopo viu piu apa upuvapa. Outro exemplo: Como vai, idiota? Tradução:
Copomopo vai pai ipidipiopotapa?
Bem, naquela idade eu não podia imaginar que os adultos fossem
capazes de tamanha barbaridade. Fiquei pasmo, vendo o pai vomitando
aquelas sílabas cabalísticas, com um jeito sacana
de quem estava sendo esperto demais.
A verdade é que esqueci aquele tipo de linguagem, mais tarde
aprendi a usá-la, como extravagância, pois todo mundo
compreendia aquele código primário, boçal.
Mas veio a era a informática, códigos em toda parte,
acessos, portais, sites, ícones, o diabo. É fácil
criar uma linguagem secreta e inútil para dizer o que não
precisa ser dito. Afinal, os códigos foram feitos para a
espionagem, para a guerra, para a polícia ou para os criminosos.
Outro dia, recebi uma mensagem cifrada, não na língua
do "p" mas numa salada alfanumérica, fhr5 tdeg8jd2
K7mhd3jh, coisas assim. Com uma advertência ao final, em linguagem
comum: "imprima esta mensagem e a guarde até receber
o código por via postal."
Uma semana depois veio realmete o código. Deu um trabalhão
decifrá-lo. E obtive a mais inútil das informações:
"Cuidado com a loura, de olhos verdes, que vai aparecer na
sua vida. Ela é Satã em forma de mulher. Vai perder
a sua alma e desgraçar o seu corpo."
A mensagem cifrada fez o efeito contrário. Todos os dias,
agora, espero pela loura de olhos verdes que vai perder minha alma
e desgraçar o meu corpo já desgraçado sem ela.
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