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Carlos Heitor Cony
cony@uol.com.br
  17 de outubro
  A língua do "P"
   
   

Nada me deu tanta raiva quando, criança ainda, ouvi uma conversa do pai com um amigo. Os dois se encontraram na rua, deviam ser íntimos, quiseram falar alguma coisa que eu não deveria entender. Como não falavam nenhum outro idioma ( o pai arranhava um francês de rendez vous) eles apelaram para a língua do "p".

Talvez não saibam o que seja isso. É uma espécie de código primário, fala-se cada palavra repetindo cada sílaba com um "p" intercalado. Exemplo: Ivo viu a uva. Tradução na língua do "p": Ipivopo viu piu apa upuvapa. Outro exemplo: Como vai, idiota? Tradução: Copomopo vai pai ipidipiopotapa?

Bem, naquela idade eu não podia imaginar que os adultos fossem capazes de tamanha barbaridade. Fiquei pasmo, vendo o pai vomitando aquelas sílabas cabalísticas, com um jeito sacana de quem estava sendo esperto demais.

A verdade é que esqueci aquele tipo de linguagem, mais tarde aprendi a usá-la, como extravagância, pois todo mundo compreendia aquele código primário, boçal.

Mas veio a era a informática, códigos em toda parte, acessos, portais, sites, ícones, o diabo. É fácil criar uma linguagem secreta e inútil para dizer o que não precisa ser dito. Afinal, os códigos foram feitos para a espionagem, para a guerra, para a polícia ou para os criminosos.

Outro dia, recebi uma mensagem cifrada, não na língua do "p" mas numa salada alfanumérica, fhr5 tdeg8jd2 K7mhd3jh, coisas assim. Com uma advertência ao final, em linguagem comum: "imprima esta mensagem e a guarde até receber o código por via postal."

Uma semana depois veio realmete o código. Deu um trabalhão decifrá-lo. E obtive a mais inútil das informações: "Cuidado com a loura, de olhos verdes, que vai aparecer na sua vida. Ela é Satã em forma de mulher. Vai perder a sua alma e desgraçar o seu corpo."

A mensagem cifrada fez o efeito contrário. Todos os dias, agora, espero pela loura de olhos verdes que vai perder minha alma e desgraçar o meu corpo já desgraçado sem ela.



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