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  30 de junho
  Arroz de festa
 
Café com leite
Pão com manteiga
Goiabada com queijo
Acarajé com vatapá
Morango com chantilly
Arroz com feijão
Casamentos eternos (com pequenas traições) e fidelidade à prova de fogo.
Quem somos nós para tentarmos desunir o que, não digo Deus, mas o gosto comum, aceitável e digerível institucionalizou?
Paladar oficial, expressão diária gustativa, esperada e imprescindível. Quase todo o país tem o seu pão. As receitas mudam de padarias bairristas a Boulangeries francesas, no intuito de levar à mesa pão com manteiga no café da manhã. Francês crocante, ciabata tão em voga, pão de banha, baguetes e brioches, baguel, matzá, chappatti, sueco, centeio, integral. E o feijão? Feijão preto na feijoada, no tutu mineiro, baião de dois, roxinho na mesa paulistana, tropeiro pra mineiro nenhum botar defeito, de corda com manteiga de garrafa, branco com dobradinha, no cassoulet, no tchuland, a chamada feijoada judaica...Quase todos clamam a companhia de seu melhor amigo, o arroz.
Produtos democráticos, feijão com arroz, mudam de cor, temperos, receituários, mas transitam na sociedade de mesa em mesa, marmita, cumbuca, prato e travessas. Quanto ao arroz e o seu preparo, permitam-me contar uma história.
Minha avó faleceu, hoje faz sete dias e eu garanto que o seu arroz era melhor do que o de qualquer outra avó. Tinha um "jeito solto de ser", de cair independente os grãos uns dos outros, quando levantada ao ar a colher. Deixávamos a "cachoeira branca" percorrer o ar rumo ao prato, num desafio ao dote da nossa velhinha, quase que torcendo para que uns grãos se abraçassem a outros, mas isso nunca acontecia. Ela vencia discreta, fingindo não perceber o nosso jogo simulado, evitando causar constrangimentos às netas e que essas perdessem então o paladar. Impossível. Além da desunião de qualquer que fosse a marca ou tipo de arroz, o seu sabor expressava o mesmo ritual e maneirismo diário no ato do preparo.
Prato tão elementar e ao mesmo tempo tão especial. Não que os demais acepipes expostos à mesa não fossem convidativos, mas queríamos comer compulsivamente, arroz, arroz e arroz. Digo isso ainda comovida com a recém-ausência da Dona Aida, impossibilitada de reproduzir em detalhes a sua tão especial receita do cereal, embora já tivesse tido a oportunidade inúmeras vezes de reparar no seu método de preparo. Questão de mão, de alma, de coração. Isso existe na cozinha sim, por isso livros de receitas devem ser adquiridos, seguidos, porém interpretados. Temos que encontrar nas receitas alheias uma maneira de contribuirmos na sua adaptação ao nosso prato. Só tenho a dizer que o ritual resumia-se assim: Lavava bem os grãos de arroz até remover a parafina esbranquiçada que tornava a água opaca. Utilizava para tal função uma bacia de ágata, onde escorria os grãos amparando-os com a palma da mão. Dispensava o uso de peneira de plástico (essas com design de arrepiar os cabelos), onde os grãos gordinhos entalam-se nos orifícios. Escorria bem o arroz, misturava uma gema de ovo, um punhado de sal e o colocava, quando havia tempo bom, a secar ao sol por cerca de uma hora. Ai então o preparava com água fervida, sabe-se lá quanto a utilizava, pois como todo o expert no assunto, aplicava o líquido a gosto.
Depois desta etapa do processo, não consigo me recordar das seguintes, pois nossa ansiedade em ver e devorar o conteúdo da panela era tanta, que mudávamos de assunto esperando cerca de vinte minutos se passarem.
É comer com ou sem feijão e sentir-se no céu, perto de alguma coisa que se chama de Deus, onde está agora a receita na íntegra e a minha querida autora.

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09/06/2000 - Ainda dá tempo
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