A difícil e penosa escolha entre o seis e o meia dúzia
Já
que temos que ser todos americanos, é bom prestar a devida
atenção ao que se passa nos EUA. Nossos irmãos
do Norte dirão nesta terça-feira se preferem Bush
ou Gore. A verdade é que, no essencial, eles se assemelham.
Daí o equilíbrio da disputa. Se as pesquisas estiverem
certas, a vitória será medida em milímetros.
Vencerá aquele que tiver o maior nariz.
Naquilo
que nos diz respeito, nenhum dos candidatos parece inclinado a modificar
o modelo que guia a ação política e econômica
do mundo. Seja qual for o escolhido, portanto, o Big Mac com fritas
continuará sendo provido. As diversas opções
de sundae e o estilo que entre nós é personificado
por Pedro Malan também.
Não
faz muito, quando ainda podiam beneficiar-se do contraste soviético,
os EUA projetavam para o mundo uma imagem idealizada, escorada na
defesa da liberdade. Os demais aspectos do estilo de vida americano
eram como que negligenciados. Agora, acomodado no alto do pódio
como um modelo, os EUA são observados por olhos mais acurados.
A imagem que sobressai é outra, mais complexa, nuançada.
Muito do que se vê não é dignificante.
Vê-se,
por exemplo, a glorificação do consumo desenfreado,
da auto-satisfação a qualquer custo, do individualismo
exacerbado. Vê-se a crescente tribunalização
do cotidiano, marcado por uma compulsão endêmica pela
causa judicial. Vê-se a decadência da indústria
cultural, que espalha pelo mundo, na forma de películas de
quinta, fragmentos da crise que corrói os valores éticos
e morais de uma sociedade que se pretendia hegemônica.
O mundo
pós-guerra fria continua meio sem norte, como um avião
que, mantido no piloto automático, ainda não sabe
direito onde irá pousar. A hipótese de um retorno
ao universo da economia socialista é improvável. Mas
a pista de pouso oferecida pelo neocapitalismo pós-muro tampouco
parece entusiasmar os passageiros.
Três
fatores separam a liderança dos EUA de um inevitável
processo de questionamento:
1)
o arsenal militar;
2)
o despreparo dos rivais;
3)
a relativa longevidade de uma bolha econômica prestes a aterrissar,
não se sabe se de forma suave ou turbulenta;
O sonho
de uma economia condenada ao crescimento, em que os vícios
do mercado seriam anulados pela intervenção de um
Estado enxuto e forte, continua ameaçado pelo fantasma dos
ciclos econômicos. Agora mesmo observa-se com temor reverencial
o conflito que palestinos e judeus travam na beira dos poços
de petróleo mais fartos do planeta.
Imaginando-se
portadores de uma resposta a Marx, os EUA ainda se comportam como
donos da cena. Mas nem Bush nem Gore têm a cara de alguém
prestes a entrar na história para dominá-la. Não
há o mais remoto sinal de que vá brotar da cabeça
de um dos dois o conjunto de idéias capaz de mobilizar a
ação política do mundo nos próximos
anos.
A campanha
presidencial americana não esteve à altura do poderio
global dos EUA. Quem assistiu aos debates entre Bush e Gore deve
ter guardado duas impressões sobre os candidatos: dada a
facilidade com que esgrimiram números e cifras, eles parecem
ter os pés no chão; mas a ausência de idéias
que perpassou o duelo tornou-o tão absurdamente claro que,
amanhã, não causará espanto se o novo chefão
do mundo vier a ser flagrado também com as mãos plantadas
no solo.
Sempre
se poderá alegar que o presidente ajoelhou apenas para certificar-se
de que Clinton não esqueceu nenhuma estagiária sob
a mesa do Salão Oval. Mas nada apagará a impressão
de que o vazio da cena política nos EUA não faz jus
ao papel de controlador da grande rédea. Se já era
difícil dormir tranqüilo aqui embaixo sabendo que o
botão vermelho, com tudo o que ele representa, estava sob
a guarda de um sujeito que tinha certa dificuldade para controlar
o próprio zíper, agora então...
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