Nos últimos tempos, foram tantos e tão variados os escândalos
em torno do tucanato que o governo acabou desenvolvendo uma política
própria de administração de crises. É
como se ministros, assessores e aliados no Congresso se guiassem por
um mesmo script.
A coisa
começa sempre da mesma maneira. A cada nova afronta aos costumes,
repete-se o invariável bordão: nada a ver com o presidente
Fernando Henrique Cardoso.
Compraram-se
votos no Congresso? Nada a ver. As fitas com as vozes dos deputados
mencionam um tal de Serjão, falam de uma misteriosa cota
federal? Pouco importa.
O Banco
Central vendeu dólares baratos a Salvatore Cacciola? Nada
a ver com o presidente. Chico Lopes foi escolha pessoal de Sua Excelência?
Sim, e daí?
Eduardo
Jorge trocou telefonemas com o juiz Lalau? Resolveu ganhar dinheiro,
rendeu-se aos encantos do lobby ao contrário?
Nada a ver com o ex-chefe de 15 anos. Se houve desvio, foi coisa
lá dele, pecado individual.
Surge
agora o caso do caixa-dois da reeleição. O jornal
ainda não havia chegado às bancas e o Planalto já
se antecipava: nada a ver. Contabilidade de campanha não
é assunto que chegue aos ouvidos do candidato. A lei diz
que o titular da chapa é o responsável pela escrituração
do comitê? Lei, ora, a lei...
Atribuiu-se
a Luiz Carlos Bresser Pereira, caixa-chefe da campanha, a tarefa
de explicar o novo rombo aberto no casco do barco governista. Cômodo,
muito cômodo. Mas inútil.
Ontem,
Mário Petrelli, um dos arrecadadores do comitê de FHC,
admitiu à Folha algo que a reportagem do jornal já
havia demonstrado: há mesmo um caixa-dois. O pecado, segundo
ele, é comum a todos os partidos.
Petrelli
esteve muito próximo de repetir PC Farias. Em célebre
sessão da CPI do Collorgate, o caixa de Fernando Collor mencionou
a hipocrisia dos parlamentares que o questionavam. Insinuou que
a contabilidade das campanhas de seus inquisidores também
não resistiria a alguns segundos de exposição
ao Sol.
Há
um elefante escondido no porão do tucanato. Tentou-se escondê-lo
atrás da porta. Mas ficou de fora uma tromba do tamanho de
R$ 10,1 milhões.
É
improvável que FHC venha a imitar o transparente Petrelli.
Se o fizesse, correria o risco de ser tachado de conivente. Assim,
deve mesmo continuar sustentando a versão de que não
viu o mamífero no instante em que sapateava à sua
frente.
O problema
é que essa segunda hipótese impõe a FHC o pecado
da omissão. Pior: restaria no ar a sensação
de que alguém o fez de bobo.
Talvez
seja hora de o presidente pensar em separar uma pálpebra
da outra. Em terra de cego, quem tem um olho não se deixa
atropelar por um elefante.
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