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  17 de maio
  Os patrulheiros
 
Começou tem uns oito anos, depois de uma crítica. Desde então, o diretor e jornalista Sérgio de Carvalho escreve regularmente contra mim, sem jamais citar o meu nome; pois bem, cansei de esperar para poder responder.
Além da reação costumeira da classe teatral, de que não passo de uma besta, ele já questionou desde o uso da palavra derrisão, dada como pedante, até minha "labirintite da suposta multiplicidade" ou minha "despolitização diversiforme de pós-modernista multiculturalista (que no fundo escreve a serviço de uma visão política)". As duas últimas são referências, imagino, às interpretações de meu livro, "Divers/idade, um Guia para o Teatro dos Anos 90".
Sobretudo, o que se insinua é que sou de direita. Não só eu. Sobre o consagrado e invejado encenador Antônio Araújo, Márcio Marciano, co-diretor de Carvalho, escreveu que ele faz "uma opção conservadora, pressupõe uma saída individualista, anula a perspectiva crítica" e, insulto supostamente maior, oferece "um paliativo idealista". Em suma, é de direita.
Marciano e Carvalho não estão inteiramente sós. Como descreveu Décio de Almeida Prado três anos antes de morrer, já pressentindo o que representava essa renascente patrulha ideológica, eles formam "um pequeno grupo de indivíduos que trocam incessantemente entre si impressões políticas e estéticas, com toda a passionalidade das minorias aguerridas".
Distorcem fatos históricos, como escreve Décio sobre Iná Camargo Costa, para apontar os diretores do TBC, Augusto Boal, Zé Celso e quem mais aparecer como sendo de direita, quando não fascistas. Fizeram isso com o próprio Décio. São "herdeiros autorizados de Karl Marx", que se escrevem prefácios uns aos outros, entrevistam-se uns aos outros, resenham-se uns aos outros.

***

Carvalho e Marciano são aquisições recentes e acessórias, eles que renegaram o que diziam e faziam até então, estimulados pelas subvenções ao centenário brechtiano, mas o problema vem de longe. Começou com o ruidoso rompimento de Zé Celso e Roberto Schwarz, respectivamente diretor e tradutor de "Galileu Galilei", nos anos 60; rompimento que por sua vez ecoou o ataque do francês Roger Planchon, na época, ao "irracionalismo" de Artaud, apontado como fascista, em oposição ao "racionalismo" brechtiano.
Esse maniqueísmo retornou ao Brasil na entrada dos anos 90, quando a débâcle do Leste Europeu pôs o "pequeno grupo de indivíduos" à procura do eixo. Ele foi identificado em dois livros que estão para completar dez anos e que buscavam adaptar o pós-modernismo às escrituras marxistas: "Pós-modernismo, a Lógica Cultural do Capitalismo Tardio", do americano Fredric Jameson, e "O Colapso da Modernização", do alemão Robert Kurz.
O primeiro é certamente o melhor, ele que nem esconde suas fontes. "Minha versão de tudo isso obviamente é muito devedora a Jean Baudrillard", escreve Jameson, mencionando ainda os situacionistas de Guy Debord. (É chocante a humildade. Seria o mesmo que Schwarz dizer que as "idéias fora de lugar" são uma versão, com sinal trocado, da antropofagia oswaldiana.) O problema, diz Jameson, é que os fenômenos midiáticos do pós-modernismo estavam "colonizados (na nossa ausência) pela direita".
O que ele fez foi buscar uma abordagem "totalizante" do pós-modernismo, em oposição a Jean-François Lyotard e a "direita", com seus questionamentos das visões, precisamente, "totalizantes". Essa foi a palavra-chave para os novos patrulheiros. Jameson e seguidores locais defendem o "impulso totalizador", em oposição ao discurso das diferenças, da fragmentação, da diversidade, em suma, da "guerra à totalidade" desenvolvida pela "direita".
(Um registro cômico: no esforço quase esquizofrênico de engessar o pós-modernismo num esquema "totalizante", Jameson cedeu ao peso retórico dos originais e acabou recebendo duas vezes o Prêmio de Má Redação da revista "Philosophy and Literature". Prêmio que, vale dizer, este texto que eu escrevo também faz por merecer: é impossível falar do pós-modernismo sem cair no pior jargão pós-estruturalista.)

***

Fredric Jameson escorrega aqui e ali, por exemplo, ao dizer que uma comparação de Stálin com Hitler é "esdrúxula", mas é Robert Kurz quem expõe mais claramente o que significa, ao fim e ao cabo, o tal "impulso totalizador". Kurz escreve em seu livro que as regras democráticas "são em sua essência abstratas e insensíveis, pois seu verdadeiro fundamento é o movimento do dinheiro". Em suma, também a democracia é de "direita", contaminada pelo capitalismo tardio do pós-modernismo.
A diferença é que agora não se propõe socialismo ou ditadura do proletariado no lugar, pois até o proletariado foi contaminado, é de "direita". Não se propõe coisa nenhuma, aliás. Nada, nihil. Kurz divulga no livro oráculos os mais apocalípticos, como o colapso que atingirá o Ocidente "provavelmente nos anos 90" ou, em outras palavras: "É muito provável que o mundo burguês entrará já antes de terminar o século 20 numa era de trevas, do caos, tal como jamais existiu na história do mundo".
Nada mal, não tivessem os anos 90 terminado há quatro meses. Aliás, não é de agora que os patrulheiros precisam rever as escrituras outra vez, já que, poucos anos depois de lançados os dois livros-guias que supostamente reavivaram o "impulso totalizador", aconteceu a Internet. Para não falar das manifestações "diversiformes" de Seattle e de Porto Seguro, na entrada do novo século.


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