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29/07/2003 - 03h38

Antonio Carlos Gomes da Costa: Mudar o conteúdo, o método e a gestão

ANTONIO CARLOS GOMES DA COSTA
especial para a Folha de S.Paulo

Certa vez, visitei uma escola que se pretendia moderna e arrojada. O prédio era todo cabeado. Em vez de livros, cadernos, lápis, caneta e borracha, os alunos portavam laptops. Na sala de aula, o professor, em sua mesa, também dispunha de um computador. E, à medida que falava em tom coloquial, sua voz ecoava pelo ambiente. Na sua lapela, um minúsculo e poderoso microfone permitia-lhe atingir mais de cem alunos sem forçar as cordas vocais. Atrás e um pouco acima de sua mesa, num telão azulado, frases e imagens iam se sobrepondo na sequência de sua exposição.

A pessoa que me pôs em contato com essa cena "futurista" observava, atenta, a minha reação. E seu espanto foi grande com meu pouco entusiasmo diante de tantas maravilhas pós-industriais. De pronto, observei que estávamos diante de um cenário onde o avanço tecnológico se colocava a serviço do atraso pedagógico. Aquilo era uma aula expositiva no sentido mais puro do termo.

Penso que essa observação não agradou muito, pois nunca mais fui chamado para retornar àquele enclave de "modernidade" na paisagem costumeira de nossa educação, tão defasada em relação àquela praticada nos países que já deram certo.

"Qual seria, então, a escola do futuro?", passei a indagar-me. Em minha visão, seria uma escola inteiramente renovada em conteúdo, método e gestão. Uma escola e três revoluções.

A revolução de conteúdo responderia por profundas mudanças no que se ensina e no que se aprende. A revolução de método reinventaria inteiramente o como aprender e ensinar. E, finalmente, a revolução de gestão subverteria o uso do espaço, do tempo, das relações entre as pessoas e do uso dos recursos físicos, técnicos e materiais disponíveis.

Em termos de conteúdo, essa escola, muito mais do que interdisciplinar, seria interdimensional. As diversas dimensões co-constitutivas do ser humano: o logos (razão), o pathos (sentimento), o eros (corporeidade) e o mythos (espiritualidade) nela seriam trabalhados de forma equilibrada e harmônica. O esporte, as artes e o ensino religioso teriam peso idêntico ao das ciências, das línguas e da matemática.

No que diz respeito ao método, essa escola praticaria, no dia-a-dia, uma nova visão de homem, de mundo e de conhecimento. Uma visão de homem capaz de fazer do educando não um mero receptáculo, mas uma fonte de iniciativa, compromisso e liberdade. Uma visão de mundo que o impulsionasse a relacionar-se com a família, com a comunidade, com a cidade e, virtualmente, com o país e com o mundo. Em termos de conhecimento, teríamos uma escola em que todos estariam voltados a aprender o aprender (autodidatismo), ensinar o ensinar (didatismo) e conhecer o conhecer (construção de conhecimentos).

Porém, a maior das revoluções dessa escola do futuro se daria em termos de gestão. Sua marca registrada: uma ruptura total com a sala de aula (como espaço) e a turma (como escala). O novo espaço, um grande salão sem paredes internas com mesas redondas de doze lugares. Onze para os alunos (um time) e um para o docente (um técnico). O time, e não a turma, seria a unidade básica da organização escolar. Os alunos, em vez de livros didáticos predeterminados, teriam em mãos guias de aprendizagem e recorreriam a terminais de computador, bibliotecas, videotecas e hemerotecas para percorrer com êxito o itinerário formativo traçado no guia de aprendizagem. Os professores/consultores orientariam e apoiariam, acompanhando o trabalho do grupo e introduzindo os ajustes necessários ao alcance pleno dos objetivos.

Nessa escola, os jovens seriam protagonistas, mas o protagonismo não se limitaria a eles. Eles estariam cercados de professores, pais, gestores escolares e lideranças comunitárias, cada um assumindo seu próprio papel de ator protagônico nessa escola, que participa da vida da comunidade, e dessa comunidade, que participa da vida da escola.

A escola protagonista é a escola necessária para que cada jovem possa desenvolver, em sua trajetória biográfica, as promessas que trouxe consigo ao vir a este mundo e, igualmente, a escola que o Brasil necessita e requer para responder pró-ativamente aos imensos desafios que a história nos coloca.

O mineiro Antonio Carlos Gomes da Costa, 54, é pedagogo, passou pela administração da Febem, de Ouro Preto e do Estado de Minas Gerais, foi oficial de projetos do Unicef e da OIT (Organização Internacional do Trabalho). Trabalhou como perito no Comitê dos Direitos da Criança da ONU, em Genebra (Suíça) e participou, no Brasil, do grupo de redação do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).

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