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29/07/2003 - 03h46

Ennio Candotti: Temperar ciência e arte

ENNIO CANDOTTI
especial para a Folha de S.Paulo

Pensar a escola daqui a 25 anos é imaginar os caminhos que nos possam conduzir até lá. Deveríamos, a meu ver*, criar já algumas oficinas-escola experimentais que nos permitam, em tempo real, repensar a escola que temos, sua arquitetura, seus currículos e seus instrumentos e, com fantasia e bom senso, imaginar os novos rumos, junto com os professores que hoje lecionam nos ensinos fundamental e médio.

Sugiro, por exemplo, criar Oficinas de Ciências e Artes, as OCAs, que reúnam, em um mesmo espaço, laboratórios, computadores e microscópios, tintas e pincéis, instrumentos musicais, máscaras de teatro e câmeras de vídeo. Instrumentos que possibilitem realizar exercícios de observação e interpretação, de representação da natureza e de dramatização dos sentimentos e paixões humanas, que tantos bons projetos de ensino propõem.

Oficinas que ofereçam aos alunos e professores laboratórios, orientação e equipamentos que não encontram hoje em suas escolas. Periodicamente, eles seriam levados a essas OCAs e lá, com o apoio necessário, poderiam participar "ao vivo" de trabalhos práticos de artes e ciências.

Imaginemos, inicialmente, uma ou duas dezenas desses centros, um em cada Estado. Mais tarde, a experiência, coordenada, poderia ser ampliada de modo a ter, em quinze anos, uma OCA para cada dez escolas médias públicas. Com a experiência acumulada, os professores e técnicos formados nos primeiros anos deveriam permitir, passo a passo, a ampliação do programa nas etapas sucessivas.

As OCAs, inicialmente, nada mais seriam do que equipes de professores e muitos monitores (jovens estudantes universitários) e técnicos que, em espaços bem equipados, novos ou cedidos, receberiam alunos e professores das escolas de sua vizinhança para realizar oficinas e experiências em artes e ciências.

Eventualmente, poderíamos, com continuidade, promover nesses mesmos centros cursos de atualização para professores. (Hoje, a maioria dos professores de ciências e matemática do ensino médio não tem formação específica na disciplina que lecionam!)

Existem múltiplos desafios nos horizontes do ensino nas próximas décadas, além do eterno desatar dos nós salariais. Como aproximar o real e o virtual? Como estudar a natureza sem destruí-la? A árvore do quintal deve ser estudada onde ela está ou por meio de livros e da internet? O que fazer com os livros?

Como equacionar o estudo do todo e das partes dos fenômenos complexos que, fragmentados, interessam às múltiplas áreas das ciências? Como aproximar as artes e as ciências, a diversidade e o semelhante?

Como dizer aos jovens que cada sociedade, em diferentes épocas da sua história, explicou o mundo à sua maneira e que a descoberta de novas técnicas e novos conhecimentos sempre revolucionou certezas e temores, ontem e hoje?

A idéia de aproximar ciência e arte não é nova, mas foi esquecida em tempos de valores desconfiados de tudo o que não é fragmento e especialidade. Hoje, ela reencontra sua atualidade na educação da curiosidade e da imaginação.

A educação em ciências e a em artes complementam-se, oferecendo aos jovens diferentes modos de observação e representação do mundo, enriquecendo assim suas possibilidades de escolha de significados e valores no mundo em que vivem.

As Oficinas de Ciências e Artes, as escolas de 2028, teriam, enfim, outro desafio: o de reescrever, junto com os professores do ensino —e com os seus alunos—, os textos e roteiros de uso didático, de modo que eles utilizem mais e melhor os exemplos da cultura e da realidade natural e social de sua vizinhança e região.

Exemplos vivos e presentes que tanto faltam à escola de 2003, mas que esperamos presentes nos bancos escolares de 2028. Aliás, ainda haverá bancos? E o quadro negro sobreviverá? E suas portas e janelas estarão abertas ou fechadas? Não sei, porém tenho certeza de que o motor das OCAs é a alegria.

(*) As idéias aqui esboçadas foram em boa parte objeto do projeto Arquimedes, apresentado ao CNPq em dezembro de 2001, elaborado por Nelson Studart, Nélio Bizzo, Suely Druck, Cid Araújo, Oswaldo Alves, Celso Melo, Christina Reis e Ennio Candotti

O italiano Ennio Candotti, 61, formado em física pela USP, é professor da Universidade Federal do Espírito Santo. É presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), entidade da qual já esteve à frente entre 1989 e 1993. Foi um dos fundadores da revista "Ciência Hoje" e recebeu o prêmio Kalinga, da Unesco, por sua contribuição à popularização da ciência em 1999.


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