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22/09/2003 - 05h12

Sob garoa, realismo fantástico toma capital argentina

EDNEY CIELICI DIAS
da Folha de S.Paulo, Enviado especial a Buenos Aires

É fim de tarde e cai uma garoa fria. Fecha-se o sobretudo, cobre-se a cabeça com o chapéu. Melhor que seja assim nesse passeio.

Vamos pela calle Florida. Com a luz do dia indo embora, as vitrines se destacam mais. Encontramos sempre brasileiros a observá-las. Há dez anos, com o peso equiparado ao dólar, tudo era inacessível ao padrão brasileiro. Mas, antes disso, ia-se à Argentina para fazer compras. As gangorras cambiais empurram turistas de ocasião a um e a outro país. Hoje, real e peso estão parelhos. As vitrines ficaram mais tentadoras.

Mas as compras não nos interessam hoje. Se quiser, já que estamos aqui, vamos a um shopping antigo, de inspiração parisiense: as Galerias Pacífico, fundadas em 1800 para serem o Bon Marché portenho. Lembremos, contudo, de que shopping é shopping e não convém perder muito tempo.

Os famosos murais da galeria estão conservados, como na época do último restauro, há 12 anos. Eles foram realizados em 1945 por cinco artistas importantes no cenário latino-americano (Lino Spilimbergo, Antonio Berni, Juan Carlos Castagnino, Manuel Colmeiro, Demetrio Urruchúa).

No mesmo prédio, poderíamos ver alguma exposição no centro cultural. Mas queremos mesmo é desfrutar essas ruas. Vamos prosseguir sob a garoa.

Na avenida Sáenz Peña, pegamos à esquerda e entramos na catedral de Buenos Aires. Há uma cerimônia militar no túmulo de San Martín, herói da independência. A igreja mais parece um templo da Antiguidade. Ao sair dela, deparamos com uma praça de Maio hoje sem mães e sem protestos, embora elas se manifestem frequentemente no local.

A cidade está calma. Parece uma versão "soft'' para turistas. Atravessamos a praça em direção à Casa Rosada, a sede de governo.

Meia-volta. Seguimos em direção ao Café Tortoni. Nas mesas de carvalho e mármore verde, servem-nos chocolate quente e churros. O estabelecimento do século 19 é uma outra lembrança de Paris. O fundador foi um francês, que tomou o nome emprestado de um café parisiense da época, no Boulevard des Italiens.

A história do café se confunde com a da cidade. A lista de frequentadores ilustres é vasta e nela se inclui o próprio Carlos Gardel.

Também o escritor Jorge Luis Borges e seu grupo de amigos ajudaram a tornar célebre o número 825 da avenida de Maio.

O realismo fantástico parece ter impregnado a atmosfera do local. Dá até vontade de inventar, de mudar a genealogia das coisas. O Tortoni, criemos uma teoria, é atemporal, existia antes mesmo da cidade, que foi construída apenas para circundar o café e entreter os fregueses...

Mas não vamos nos deter demasiadamente em um local. A noite está caindo, e queremos continuar. O Tortoni tem ótimos concorrentes, melhor dizendo, irmãos. Repare bem, cada café tem uma atmosfera própria.

Há vários sebos nas ruas do centro. É impossível deixar de dar ao menos uma olhadinha --livros, gibis, discos de todos os tipos.

Em dado momento, cruzamos a Nove de Julio. No centro, o obelisco, um dos símbolos da cidade, já está iluminado. A avenida é uma referência exagerada aos bulevares parisienses --com mais de cem metros de largura, parece ser a encarnação do bulevar absoluto.

É noite. Vamos em direção ao Congresso, palco da crise institucional recente. Não conseguiam manter um presidente depois da renúncia de De la Rúa. As depredações e os conflitos não parecem ter ocorrido por aqui.

Começam os trabalhos nos restaurantes. Garçons limpam as mesas. Grandes quantidades de carne crua são colocadas sobre as grelhas. O Pantagruel dos pampas vem para o jantar.

Pegamos a avenida Callao. Um ambiente escuro nos chama a atenção. Mais que crua, a carne é viva. É o Pelvis Bar, em que as atendentes trabalham de lingerie.

Algumas coisas não são as mesmas. Há dez anos não se viam mendigos, não se falava de violência. As crises trouxeram danos profundos. O centro, contudo, não perdeu o seu carisma.

Entramos na avenida Corrientes. As luzes dos teatros têm muita vida e desafiam os cenários econômicos. Vamos procurar aquela livraria grande. Café enquanto folheamos alguns volumes.

Sim, em Buenos Aires há muitas referências a Paris. Mas elas ganharam identidade própria e viraram outra coisa.

De novo na rua. Fechamos os olhos e escutamos ao longe o chiado de um velho disco de tango. Sem que percebamos, o milagre acontece.

Chegamos a uma avenida definitiva, que contém todas as noites de Buenos Aires. Ela não tem começo nem fim e só dura uma fração de segundo.

Edney Cielici Dias viajou a convite das Aerolineas Argentinas, dos hotel Sheraton Libertador e da Ski Network

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