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29/11/2011 - 08h33

Gal Costa é mera vocalista de seu novo CD, composto por Caetano

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MARCUS PRETO
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Gal Costa é a voz, mas é Caetano que canta.

Há seis anos longe dos estúdios e das canções inéditas, a cantora lança agora o experimental "Recanto", trabalho concebido, composto e dirigido por Caetano Veloso.

Ele escreveu nove músicas especialmente para o projeto. Outras duas, "Madre Deus" e "Mansidão", também dele, já foram gravadas antes, mas são obscuras.

"Recanto", portanto, não quis facilidades. Ele é fruto do mesmo desejo de ruptura estética --musical e poética-- que guiou Caetano na criação de "Cê" (2006) e "Zii e Zie" (2009), discos em que é amparado por um trio de rock.

Daryan Dornelles/Folhapress
Gal Costa e Caetano Veloso no Rio
Gal Costa e Caetano Veloso no Rio

"Diferentemente de 'Cê', senti a necessidade de experimentar com música eletrônica. E as ideias que vinham me pareciam mais bonitas na voz pura de Gal", explica ele.

"A interpretação dela tem mais a ver com emissão [técnica] do que com intenção. E isso é crucial para os sonhos de uma música composta com sons eletrônicos."

Há arranjos em que a voz de Gal desliza sobre bases radicalmente eletrônicas. A de "Neguinho", criada por Zeca Veloso, filho de Caetano, poderia facilmente estar em um trabalho de Lady Gaga.

Isso tudo é o oposto do que Gal vinha fazendo nos últimos 15 anos, pelo menos. Em seus trabalhos recentes, era acompanhada por orquestras, recitais de violão, relia clássicos de Tom Jobim e de outros standards da MPB.

Caetano --que também vai assinar a direção do show, previsto para março, no Rio-- chama "Recanto" de "meu trabalho composicional de agora". Diz que "quis fazê-lo com o som da voz dela".

Em consonância com ele, Gal diz que "não teve contato nenhum com a feitura do disco. Caetano fez tudo".

E como é, para Gal, ter seu nome estampando a capa de um álbum em que as ideias não são suas? Como é ser "apenas" a vocalista de seu próprio CD?

"Eu mesma disse para ele: 'Caetano, esse disco é seu'", assume. "Mas sempre foi assim. Em todos os meus discos para os quais ele compôs, eu não pedia temas. Ele fez o que quis. Gosto de ser carregada."

Sempre foi assim. Desde os tempos tropicalistas, e mesmo antes deles, Gal Costa esteve vinculada a pessoas que lhe deram os empurrões de que ela precisava para ir além de sua escola inicial: a do canto puro de João Gilberto.

Caetano e Gil foram exemplares disso nos anos 1960. O poeta Waly Salomão fez o mesmo em "Fa-Tal", o emblemático show de 1971, e de novo em "Plural", de 1990. O empresário Guilherme Araújo (1937-2007) a alçou a sucesso comercial no final dos 70.

"Minha voz está a serviço dos meus amigos, das boas canções, das coisas com que estou conectada. Sempre esteve", diz. "Quando eles [Caetano e Gil] ficaram exilados [no final dos 1960], eu fiquei aqui cantando suas canções. Pouca gente tem essa capacidade de expressar a palavra musicada através da voz. Essa é a minha função."

Gal fala do assunto com serenidade. Parece acostumada à cobrança por constante renovação, por ter de novo a "atitude" que um dia teve.

Vê conexões claras entre essa sua característica e os versos de "Recanto Escuro", canção do novo álbum: "Não salto, mas sou carregada/ Por asas que a gente não tem".

"Caetano decifrou isso muito bem nessa canção", diz. E ele rebate: "Mas não foi isso o que eu quis dizer. Foi justamente o contrário. Você, quando canta, parece que é carregada por asas que a gente não tem, que mais ninguém no mundo tem".

A maior parte das letras, conforme planejado pelo compositor, são mesmo bem herméticas, enigmáticas.

"Cara do Mundo" chega ao máximo da complexidade. "Cara do mundo/ Cara de peixe-boi/ Cara de tudo/ Cara do que já foi/ Pássaro azul/ Deserto-jardim/ Presunto."

É possível cantar uma música com propriedade sem entender o que ela quer dizer?

"São imagens", ela rebate. "Você vai cantando e vendo as imagens, sem muita complicação. É som. É simples."

RIO-BAHIA

A criação de "Recanto" exigiu uma equipe no Rio e outra em Salvador.

Filho de Caetano, Moreno dirigiu Gal na Bahia. Seu pai guiou o time de músicos cariocas: Kassin, Pedro Sá, Donatinho, Davi Morais, Bartolo, Léo Monteiro e outros nomes da nova geração.

Os arranjos e as bases instrumentais foram feitos no Rio. Gal nem sequer teve contato com os músicos (chegou a confundir o repórter da Folha com Kassin, o arranjador da maior parte das faixas do disco, que ainda não conhece pessoalmente). Recebia tudo pronto em Salvador e só colocava a voz por cima.

Lembra-se, rindo, de quando recebeu as primeiras versões das bases instrumentais. "Era um tum tum tum, um booooo, um pfuuuuu", imita com a voz sons toscos de videogame.

"Perguntava: 'Moreno, mas o que é isso?'. E ele: 'Calma que ainda vai piorar'. O jeito foi abstrair do arranjo e cantar em cima do clique [espécie de tic tac que marca o andamento da música]."

Caetano promete --e Gal concorda-- que o show vai ter a mesma sonoridade. Poucos músicos e muitas programações eletrônicas.
Gal não poderia imaginar que daria tamanho salto.

O jornalista MARCUS PRETO viajou a convite da gravadora Universal.

 

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