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01/07/2012 - 04h56

Orquestras são arma contra pobreza, diz criador de El Sistema

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CLEMENCY BURTON-HILL
DO "GUARDIAN"

O maestro José Antonio Abreu trabalha em um escritório dentro de um shopping center banal no centro de Caracas, a poucos passos de uma das mais movimentadas ruas da cidade venezuelana.

Na tarde em que conversamos, o movimento nas ruas era intenso. No entanto, durante o curto percurso que nos separava do estacionamento, fomos acompanhados por três seguranças ostensivamente armados.

Assim é Caracas, uma das cidades mais violentas do mundo. O índice de homicídios na Venezuela é três vezes superior ao do Iraque e quatro vezes mais alto que o do México. Em média, 53 pessoas são mortas por dia ali.

Essa desanimadora estatística ocupa meus pensamentos quando chego para o encontro com Abreu, 73.

O economista e maestro tem uma revolucionária filosofia que, desde 1975, gira em torno da ideia de que educação intensiva e gratuita de música erudita para os mais pobres cidadãos pode influenciar positivamente na solução de problemas sociais.

Miguel Riopa - 22.out.2008/France Presse
O maestro José Antonio Abreu, fundador do programa de ensino apelidado de El Sistema
O maestro José Antonio Abreu, fundador do programa de ensino apelidado de El Sistema

Mais de 380 mil crianças matriculadas em programas nacionais de música confirmam a hipótese de Abreu. Delas, 80% provêm de famílias de baixa e média renda.
violência

Dos 2 milhões de alunos que o programa formou desde sua criação, muitos se tornaram, além de músicos, advogados, professores, médicos e funcionários públicos.

No entanto, um dos grandes paradoxos do El Sistema, apelido pelo qual o programa criado por Abreu na Fundación Musical Simón Bolívar se tornou conhecido, é que não importa seu sucesso, não importa que tenha criado músicos de imenso sucesso como o maestro Gustavo Dudamel, não importa o número de países ricos que procurem imitá-lo: os índices de criminalidade continuam a subir em seu país natal.

Abreu concorda que essa é uma estatística "extremamente grave". Mas aponta indícios que parecem provar que, sem a extensa rede de núcleos (como são chamadas as escolas musicais comunitárias), orquestras e coros do programa, a situação poderia ser ainda mais sinistra.

"O Banco Interamericano de Desenvolvimento, o governo da Venezuela e a Corporação Andina de Fomento supervisionam constantemente os projetos da fundação", diz, "porque investiram muitos recursos".

"Sempre que um estudo de avaliação de impacto é realizado, os resultados são unânimes. As crianças participantes do programa conquistam resultados acima da média na escola e demonstram grande capacidade de ação comunitária coletiva. As orquestras e corais ajudam na criar um senso de solidariedade. O envolvimento se torna uma arma contra a pobreza, a desigualdade, a violência e o abuso de drogas."

VALORES

Abreu é uma figura humilde que dedicou a vida ao que define como "um projeto de desenvolvimento humano".

"A ideia me ocorreu porque percebi que, na Venezuela, a educação musical não incluía orquestras para jovens, e eu percebia que as crianças que participavam de orquestras desenvolviam uma percepção mais humana do papel na sociedade."

O projeto foi iniciado com apenas 11 crianças em uma garagem local -origens humildes que se tornaram famosas e contrastam fortemente com as cenas vistas, por exemplo, no Royal Albert Hall, 30 anos mais tarde, mas sua convicção quanto à possibilidade de promover transformação social via música já era absoluta desde o começo.

"Eu tive certeza já no nosso primeiro ensaio", ele diz, com um brilho forte em seus olhos castanhos. "Disse àqueles primeiros 11 integrantes que estávamos criando o início de uma rede que transformaria a Venezuela em potência musical e socorreria as crianças de baixa renda."

Alguns dias mais tarde, em conversa com Frank di Polo, violinista e líder original da orquestra, perguntei se ele se lembra daquele momento. "É claro", responde, rindo. "O maestro Abreu sabia desde o começo o que estava criando e o que poderíamos realizar."

El Sistema, apesar do apelido, não é um "sistema" de educação musical, mas, como insiste Abreu, "uma concepção com respeito à função da música na sociedade".

Formado por uma vasta rede de escolas, orquestras e corais que agora se estende pelas 23 províncias da Venezuela, o programa envolve em média três adultos para cada criança matriculada.

Carlos Garcia Rawlins - 21.jun.12/Reuters
O regente José Ángel Salazar, 14, durante ensaio com a Orquestra Sinfônica Jovem de Nueva Esparta
O regente José Ángel Salazar, 14, durante ensaio com a Orquestra Sinfônica Jovem de Nueva Esparta

Não importa quem vença a eleição presidencial venezuelana em outubro -Hugo Chávez ou Henrique Caprilles-, é inconcebível que o apoio ao programa seja retirado. Sete governos venezuelanos sucessivos, de todos os matizes políticos, deram apoio a El Sistema, cobrindo cerca de 90% de seu orçamento operacional.

Um dado importante é que as verbas vieram sempre dos departamentos de assistência social, e não dos departamentos de cultura.

Isso seguramente se deve à aguçada visão política de Abreu, cujo corpo franzino e modos de Madre Teresa ocultam uma formidável inteligência estratégica.

"O elemento fundamental que vem determinando o apoio recebido são os resultados que conquistamos. El Sistema se provou eficaz no campo social", diz. "Para os venezuelanos, a educação musical é hoje um direito constitucional e legal."

Tradução de PAULO MIGLIACCI.

 

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