Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
11/09/2012 - 04h01

Opinião: Não se pode tratar alunos como meros espectadores ingênuos

Publicidade

NOEMI JAFFE
ESPECIAL PARA A FOLHA

A palavra ficção vem de "fingere", que, no inglês, derivou também em "finger", ou dedo, em português. Isso porque era com os dedos que os artistas da antiguidade modelavam o barro para dar a ele formas inventadas.

Audiência no STF discute liberação de livro de Monteiro Lobato acusado de racismo
Questão não é literária, diz advogado de entidade

Atualmente, como produto dessa história de modelagens e representações, ficção é praticamente sinônimo de "mentira", "fingimento": são formas criadas pela mente humana.

É de se estranhar, portanto, para dizer o mínimo, que alguns educadores, entre cujos objetos de trabalho está a invenção verbal, queiram censurar a obra de Monteiro Lobato, de Dalton Trevisan, de Jorge Amado ou de quem quer que seja, por conterem alusões racistas, pornográficas ou afins.

Antes de tudo, de qualquer argumentação histórica ou contextual, as obras desses autores, sob ameaça de censura, são invenções ficcionais, todas perfeitamente delimitadas por esse escopo.

Nem os alunos são ingênuos a ponto de achar que uma narrativa literária é a verdade e nem os professores --espera-se-- vão abordar essas histórias como se elas o fossem.

Quando um professor se depara, em sala de aula, com qualquer tratamento ficcional de teor divergente das Leis de Diretrizes e Bases, que, entre outras coisas, proíbem o ensino de conteúdo racista, é só mostrar aos alunos que:

1) é ficção; 2) a língua é um organismo vivo, passível de mudanças; 3) os hábitos comportamentais e literários também se modificam; 4) um autor e sua obra não podem ser julgados por afirmações ficcionais e contextualizadas.

Na verdade, trata-se de uma ótima oportunidade de se discutirem os limites entre a realidade e a ficção e o significado das construções politicamente corretas, que muitas vezes mais disfarçam do que educam.

Isso, aliás, independe de faixa etária ou econômica. As crianças e adolescentes brasileiros são suficientemente preparados pelo cinema, a televisão, a internet, a vida e a própria literatura para fazerem a distinção entre o real e o não real. Não se pode tratar os alunos como se fossem meros espectadores, ingênuos e influenciáveis.

LEITURA ATIVA

A leitura ativa é aquela que possibilita ao aluno ler criticamente, compreendendo o tema, a linguagem e as mudanças sociais e históricas.

Se fosse o caso de censurar liminarmente preconceitos ficcionais, hoje não leríamos Madame Bovary e provavelmente parte da Bíblia poderia ser vetada.

A literatura --e a arte-- são territórios onde cabem o erro, o preconceito, a divergência e a loucura.

Isso não deseduca, mas, ao contrário, prepara os alunos para questionarem a si mesmos e ao mundo.

NOEMI JAFFE é doutora em literatura brasileira pela USP, ex-professora de literatura em colégios particulares em São Paulo e autora de "Quando Nada Está Acontecendo" (Martins), entre outros.

 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página