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06/11/2012 - 04h13

Traço delicado reflete memória violenta

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SILAS MARTÍ
ENVIADO ESPECIAL A BOGOTÁ

Militares com metralhadoras e cães farejadores na porta das casas e manchetes sobre um processo de paz que se arrasta há anos sem sucesso não deixam esquecer a guerra ao narcotráfico que sublinha a vida na Colômbia.

Com feira, Colômbia vira ponto de encontro latino

Mas, em contraponto à realidade agressiva, a arte que desponta no país segue outra rota. São desenhos sutis --lápis sobre papel, preto no branco, de um traço delicado-- que parecem dominar a produção contemporânea em Bogotá, alçada agora ao posto de uma das novas capitais da arte latino-americana.

Enquanto curadores colombianos conquistam postos de relevância no circuito global, como José Roca, curador na Tate Modern, de Londres, e Juan Gaitán, à frente da próxima Bienal de Berlim, o mercado e a cena do país se aquecem com a feira ArtBO, realizada no mês passado.

Na Bienal de São Paulo agora em cartaz, artistas como Bernardo Ortiz e Nicolás París representam esse levante do desenho, uma fragilidade contraposta aos anos de conflito armado que dilaceram a sociedade colombiana.

Divulgação
Obra de Bernardo Ortiz, artista colombiano que participa agora da Bienal de São Paulo
Obra de Bernardo Ortiz, artista colombiano que participa agora da Bienal de São Paulo

"Esses trabalhos intimistas são consequência direta do conflito", diz o curador colombiano Jaime Cerón. "São tentativas de revisar o espaço cotidiano. É olhar para dentro como sintoma de estar preso, confinado em casa com a impossibilidade de sair e ocupar as zonas de risco."

O prédio de uma antiga tecelagem no centro de Bogotá foi transformado em um quartel general de ateliês. É ali que artistas põem no papel a memória do conflito.

"Vivemos 50 anos de guerra neste país. A população ou é vítima ou está entre os algozes, sendo que uma parte é indiferente ao que acontece", diz Lina Espinosa, em seu ateliê no edifício Las Nieves. "Quero chamar a atenção dos indiferentes, criando uma memória da dor."

Fernando Arias, que faz uma obra de forte cunho político sem se restringir ao desenho, enxerga nesses traços um ato subversivo --a tradução de uma realidade atroz.

"É violento e sutil ao mesmo tempo", afirma. "Isso confronta as pessoas que vivem todo dia essa violência."

Não é de hoje que o desenho é a escola por excelência da arte colombiana. Nos anos 70, artistas como José Antonio Suárez já usavam a técnica como linguagem central.

Mas, nos anos 90, com a derrocada de um sistema de arte ainda frágil e sustentado pela lavagem de dinheiro de narcotraficantes, o desenho voltou ao centro das atenções como um meio simples e econômico de produção, algo que estava ao alcance de artistas que ainda não sonhavam com a inserção do país no mercado de arte global.

Bernardo Ortiz trabalha nessa escala diminuta, de folhas que se amontoam no ateliê em "arquivos orgânicos".

"Essas obras estão no limite entre o cínico e o comovente", diz o artista em seu ateliê no centro da cidade. "É uma arte que não é quase nada, está entre a verdade e a mentira, como se fossem folhas arrancadas de um livro."

Enquanto o livro de Ortiz tem espaço para frases soltas, memórias ambíguas e desenhos aleatórios, Lucas Ospina, outro artista dessa geração nascida nos anos 70 e 80, parece focar em personagens solitários. Seus desenhos são vazios com figuras perdidas numa imensidão branca.

"Meu traço é imediato, entre o passado e o presente", diz Ospina. "Tento definir pessoas com um só gesto."

O jornalista SILAS MARTÍ viajou a convite da feira ArtBO.

 

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