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10/11/2012 - 05h09

Teatro completo do dramaturgo Matéi Visniec é lançado no país

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MARCIO AQUILES
DE SÃO PAULO

Quando o dramaturgo Matéi Visniec, 56, começou a escrever, na Romênia dos anos 1970, sob o regime do ditador Nicolae Ceausescu, recusou "instintivamente a regra do realismo socialista".

O jovem autor sentia-se atraído pelas abstrações das vanguardas do início do século 20 --sobretudo por surrealistas, dadaístas e expressionistas--, pelo realismo mágico latino-americano e pela literatura fantástica.

A síntese nada usual entre essa postura politizada e o devaneio subjetivo radical pode ser conferida nas 13 peças publicadas até agora pela editora É Realizações, que está lançando gradualmente o teatro completo do romeno.

Philippe Andre/Divulgação
O dramaturgo romeno Matéi Visniec, que tem obra completa lançada pela É Realizações
O dramaturgo romeno Matéi Visniec, que tem obra completa lançada pela É Realizações

A dramaturgia de Visniec distingue-se por unir esses polos opostos. Não fica presa ao proselitismo do teatro político convencional, mas tampouco cede às tentações de conceitualismos herméticos e metáforas estilizadas.

"Meu teatro é frequentemente político, mas não realista. Conto histórias de amor, mas dentro de um registro onírico. Falo da sociedade contemporânea, mas de uma maneira grotesca. Detesto o didatismo e a falta de poesia", afirma Visniec.

Refugiado político da ditadura de Ceausescu, o escritor vive na França desde 1987.

"Sempre considerei que a literatura devia ser um pouco subversiva com relação ao poder, à moral oficial, ao pensamento único, ao establishment em geral, mas também com relação aos dogmas e às ideias preconcebidas."

FICÇÃO E REALIDADE

Seus textos são habitados tanto por personagens históricos --como os russos Meyerhold e Tchékhov, em "Ricardo 3º Está Cancelada" e "A Máquina Tchékhov", respectivamente, ou o dramaturgo Samuel Beckett, em "O Último Godot"-- quanto por ficcionais, caso do personagem-título dessa última peça.

"Escrevi sobre Tchékhov porque, para mim, ele é o pai do teatro do absurdo. Sobre Meyerhold porque ele encarnava a resistência a Stálin, quando o poder totalitário estava em seu apogeu. E sobre Cioran porque o considero o último dos filósofos modernos europeus que não venderam a alma à mídia e à mundanidade", sentencia.

A pedido da Folha, Visniec escreveu uma cena inédita com duas dessas figuras (leia trecho ao lado) presentes em suas peças: o filósofo Emil Cioran, de "Os Desvãos Cioran ou Mansarda em Paris com Vista para a Morte", e o personagem Paparazzo 1, de "Paparazzi ou a Crônica de um Amanhecer Abortado".

"Sempre me interesso pelas relações entre personagens que fizeram a história, ou melhor, entre pessoas que fizeram a história antes de serem pervertidas por ela."

Visniec manifesta interesse em escrever sobre Kafka (1883-1924), Lênin (1870-1924) e Górki (1868-1936).

O autor diz reconhecer a qualidade do texto literário de suas peças --o que as torna tão agradáveis à leitura que elas quase prescindem da necessidade de encenação--, mas destaca o poder amplificado da dramaturgia quando levada aos palcos.

"Um espetáculo pode criar uma comoção tão forte que se transforme em agitação social, em tomada de consciência, em desejo de atuar coletivamente", diz.

"É por isso que, nos regimes totalitários, o poder tem mais medo do teatro do que de um romance ou de um livro de poesia", opina.

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INÉDITO

CIORAN: Ei, o que está fazendo aí? Como entrou na minha casa? E por que instalou esse telescópio?

PAPARAZZO 1: Psst! Não grite assim tão alto. Eu me permiti entrar porque, você sabe, da sua janela dá para ver perfeitamente o que acontece no edifício em frente, no quarto daquele autor insolente...

CIORAN: Você está espionando Matéi Visniec? Ele já foi muito espionado no tempo dos comunistas.

PAPARAZZO 1: Sim, mas agora é diferente. Vou escrever um grande artigo sobre ele para um jornal brasileiro. É para o seu bem. Estou vigiando desde cedo.

CIORAN: E o que ele anda fazendo?

PAPARAZZO 1: Você não vai acreditar. Ele está escrevendo, mas, ao mesmo tempo, faz amor com uma mulher que tem uma faca cravada no olho esquerdo.

CIORAN: Ah, eu também quero ver. Deixe-me olhar um minutinho...

PAPARAZZO 1: Espere, tem fila. Antes tem três palhaços velhos, um diretor de prisão que achava que "A Cantora Careca" era o codinome da operação de desembarque de americanos nos Bálcãs e um saxofonista que tem uma amiga em Frankfurt e que crê na reencarnação. Instale-se aí depois deles, sr. Cioran, e espere a sua vez.


Cena escrita pelo dramaturgo MATÉI VISNIEC para a Folha

 

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