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06/12/2012 - 03h03

Gênio da raça, Niemeyer moldou contornos de nação em desenvolvimento

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FERNANDO SERAPIÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Neto de um ministro do Supremo Tribunal Federal, Oscar Niemeyer é fruto da elite carioca do início do século 20. Cresceu em Laranjeiras, no sobrado do avô, uma casa-grande urbana com costumes rurais: muitos parentes, criados e até missas aos domingos na capela. Seu pai era tipógrafo, e sua mãe, dona de casa.

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Como os cinco irmãos, foi educado por padres. Na juventude, jogou bola na rua, veraneou em Copacabana e adorava desenhar. Um tio fanfarrão o levou à boemia, e ele vivia no bilhar no largo do Machado e nos braços das francesas nas pensões da Lapa.

Casou aos 21 anos e continuou no casarão. No mesmo ano, o desenho o levou à arquitetura. A falta de empenho na faculdade foi compensada pela sapiência de bater à porta de Lucio Costa (1902-1998), a mente privilegiada da arquitetura brasileira.

No pequeno escritório da avenida Rio Branco, Costa insuflava a alma da moderna arquitetura do país, mesclando tradição (via influências luso-brasileiras) e modernidade (linha do franco-suíço Le Corbusier, 1887-1965).

Sem receber salário, Niemeyer não despertou a atenção do chefe. Foram tempos difíceis: era universitário quando nasceu sua única filha. Recebia pouco dinheiro do pai, e a comida vinha do aluguel de um imóvel de uma tia. Alugou uma casa de vila no Leblon e dormia no sofá-cama da sala. Seus hábitos sempre foram simples.

A sensibilidade social o levou ao Partido Comunista, em 1945, e o talento foi adubado pela participação no projeto do Ministério da Educação e Saúde, no Rio. O ministro Gustavo Capanema desejava um prédio simbólico, um ícone moderno para o governo Vargas, e convocou Lucio Costa para desenhá-lo.

Costa montou equipe (o imberbe era o desenhista) e convenceu o ministro a contratar Corbusier como consultor. O desenho aproximou Niemeyer do europeu, e o brasileiro entendeu o modernismo.

Editoria de Arte

PAMPULHA

Sua resposta veio em quatro anos, com a primeira obra-prima: um conjunto às margens da lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte. Virou a noite desenhando para atender o ambicioso Juscelino Kubitschek, então prefeito.

A igreja assombrou o mundo: nascia ali o gênio que deglutiu os ensinamentos de Costa e Corbusier e digeriu-os com malemolência.

A antropofagia de Oswald de Andrade nunca fez tanto sentido: Niemeyer transformou a sisudez do racionalismo europeu, subvertendo-a com leveza e lirismo, amalgamando o concreto com a personalidade do estereótipo carioca --malandro, criativo, mulherengo e informal.

Se parte da crítica europeia não o entendeu, acusando-o de barroco, seu talento de criar ícones não seriados foi compreendido e incentivado pela elite política, cultural e econômica brasileira.

Assim, no auge da carreira, da Pampulha a Brasília, Niemeyer forjou a face de uma nação em desenvolvimento. De Getúlio a Juscelino, ao som da bossa nova e das conquistas futebolísticas, perpetrou edifícios emblemáticos que alimentaram a estima nacional.

Oswald foi às lágrimas ao percorrer o Ibirapuera, e o Brasil mudou com os projetos de Oscar Niemeyer --gênio da raça, um dos maiores artistas que o país produziu.

Tudo se alterou com o golpe militar, que sepultou a ideia do país moderno e lírico. As cidades incharam, evidenciando o abismo social. Autoexilado, Niemeyer foi acolhido pela esquerda do hemisfério Norte: de Paris, plantou seu ideário de sonho tropical no mundo mediterrâneo como canções de exílio.

As obras do retorno nasceram démodées. As escolas públicas de Darcy Ribeiro (1922-1997) o aproximam das urgências nacionais, mas ele não tinha habilidade para responder.
No mais, materializou ambições políticas. O canto do cisne foi o MAC de Niterói, onde testou a (quase) eterna capacidade de criar marcos.

Viúvo, aos 98 anos casou-se com a secretária, amante de anos. Vivia em um apartamento em Ipanema e não deixou fortuna. A longevidade pregou-lhe uma peça: ele acreditou na farsa que difundiu da facilidade de criar poesia com gestos.

Sua última fase nos lembra que, por trás do gênio dos croquis simples da Pampulha, havia um incansável e exigente trabalhador em busca da ginga perfeita. O malandro carioca deu duro.

FERNANDO SERAPIÃO é crítico de arquitetura e editor da revista "Monolito"

 

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