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06/10/2010 - 11h31

Polonês exibe na Bienal filme em que retrata luto por morte do presidente

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SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO

No avião Tupolev que despencou há seis meses no meio de uma floresta russa estava o presidente da Polônia e uma comitiva de representantes do país. Ninguém sobreviveu, e logo a notícia chegou à capital Varsóvia.

Todo o Estado desabou de chofre. No encalço da tragédia, um luto carregado de dúvidas sobre o futuro varreu o país. Artur Zmijewski, artista polonês agora na Bienal de São Paulo, fotografou tudo.

Acompanhe a cobertura completa da Bienal

São velas acesas na calçada, multidões empunhando bandeiras, marchas militares e desfiles fúnebres retratados no mais seco preto e branco.

"Depois da catástrofe, só restou documentar tudo, tentar entender o acidente", conta Zmijewski à Folha. "É uma tragédia humana, pessoas morreram, o presidente, sua mulher e figuras-chave do poder, mas era necessário ver isso com olhos políticos."

Isso quer dizer que, por trás da pele plástica dessa dor, Zmijewski tentou mostrar um tumulto latente, uma sombra que vaza para o primeiro plano. Tratou de revelar o rastro político daquilo que deixou acéfalo o país.

Divulgação
Fotografia da série 'Catastrophy', de Artur Zmijewski
Fotografia da série 'Catastrophy', de Artur Zmijewski

"Sempre segui as atividades políticas do povo em países diferentes", diz o artista. "Não preciso de nenhuma desculpa para fazer isso."

Nesse ponto, abre uma brecha para se distanciar da chamada arte política.

Não esconde que sua obra está permeada de embates com o poder, mas repudia arte que esteja a serviço de uma ideologia. "Oscar Niemeyer é o maior exemplo disso, é um escravo dos políticos, sua obra só serve aos anseios deles", critica. "Arte vira uma só uma ferramenta se um artista se deixar ser usado."

Zmijewski parece querer mais distância de seu objeto de estudo. Mas se é fato que a política e os abalos nas estruturas de poder sempre lastrearam sua obra, essa é a primeira vez que adota uma atitude mais passiva, deixando toda a ação passar diante de sua lente sem interferir.

Foi diferente quando decidiu expurgar a dor das memórias do Holocausto. Zmijewski não fotografou campos de concentração desativados, não revisitou locais de tragédia ou montes de sapatos, óculos e roupas que sobraram na soleira dos fornos.

Num vídeo, convenceu um judeu sobrevivente da chacina a tatuar de novo o número que o identificava no antigo campo de concentração. Noutro trabalho, encenou um estranho jogo de pega-pega com homens e mulheres nus correndo dentro de câmaras de gás desativadas.

VÍTIMA E ALGOZ

"É fácil demais ficar do lado das vítimas, mas é também uma obrigação moral pensar como os algozes para entender o que aconteceu", diz Zmijewski. "Quando refaço a tatuagem, estou me colocando no lugar do algoz."

Talvez porque a vítima sofre e o torturador fica no comando da ação, o artista preferiu assumir o lado mais autoral, de quem causa a dor.

"Esse trauma nos causa angústia e sofrimento, mas não basta ver um lugar", diz Zmijewski. "Minha ideia era mudar a situação, jogar com isso de forma mais ativa, não ser polido com a memória."

Pela falta de polidez, foi alvo de suas críticas mais duras até hoje. Disseram que aquilo não era arte, e ele concordou.

"Essa é a melhor reação, quando as pessoas percebem que não estão diante de uma obra, mas sim da realidade", resume. "É o momento em que a arte se torna parte da realidade, algo que vem das emoções mais profundas."

 

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