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31/10/2010 - 09h29

"Culturas da Resistência" roda por periferias mostrando poder transformador da arte

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MORRIS KACHANI
DE SÃO PAULO

Mais notável do que o documentário "Culturas da Resistência" é a trajetória da diretora, a brasileira de ascendência coreana Iara Lee, 44.

Ex-mulher de Leon Cakoff, com quem esteve à frente dos primórdios da Mostra na década de 80, ela apareceu nos jornais do planeta em julho.

São dela as filmagens do incidente com soldados israelenses e ativistas do navio turco Mavi Marmara, que terminou em nove mortes.

O navio tentava furar o bloqueio a Gaza e foi interceptado em uma ação militar desastrada. Iara era a única brasileira a bordo. Não estava ali por acaso.

Segundo ela, tudo começou com a guerra no Iraque, em 2003. Em absoluto desacordo com a intervenção americana, decidiu abandonar Nova York, onde residia desde o final dos anos 80.

Tornou-se uma ativista multimídia sintonizada com as tragédias globais.

A partir de então, optou por um estilo de vida a que chama de nomadismo. Viajou por 25 países, de preferência aqueles considerados "não recomendáveis" pelo Departamento de Estado americano --Irã, Líbano, Afeganistão, Congo, Ruanda...

"É aí que você tem de ir. São os países mais interessantes, onde as pessoas travam uma luta diária pela sobrevivência e têm uma força incrível", diz Iara, em entrevista por Skype, de Sarajevo.

Divulgação
Cena de "Culturas da Resistência" com pessoas embaixo da torre Eiffel prestando homenagem à iraniana morta durante protesto em junho de 2009
Cena de "Culturas da Resistência" com pessoas embaixo da torre Eiffel prestando homenagem a iraniana morta

REALIDADES DISTINTAS

Como filme, "Culturas da Resistência" deixa a desejar. É um documentário que roda a periferia do mundo mostrando as diversas manifestações de arte engajada e seu poder transformador.

Grafite e hip-hop em Teerã, capital iraniana. Jogos de capoeira nos campos de refugiados palestinos, no Líbano. Poesia em Kinshasa, no Congo, considerada pela ONU a capital mundial do estupro.

É tudo muito curioso, mas são tantas e tão distintas as realidades de cada país retratado que a abordagem do filme acaba se tornando superficial, algumas vezes incompreensível e unilateral --só os oprimidos têm voz.

Imagine o Fórum Social Mundial, onde afloram todos os tipos de demandas por justiça --social, racial, ambiental. Este é o denominador comum do filme. Até índios contra Belo Monte tem.

"Nossa ideia é promover uma rede de solidariedade global. Há muito ego e rivalidade no meio, até porque a verba é pouca", explica Iara.

"Culturas da Resistência" foi produzido pela Fundação Caipirinha, que, além de fazer filmes, já garantiu apoio a ações como o concerto da Filarmônica de Nova York na Coreia do Norte, em 2008.

A instituição é privada e tem no milionário americano George Gund, parceiro atual de Iara, seu maior patrocinador. "Não adianta apenas fazer documentário. Tem de intervir na realidade", diz.

Veja íntegra da entrevista:

FOLHA - Politicamente, como você se define?

IARA LEE - Sou muito cética com os governos. Para mim eles são o primeiro problema, parece que todo mundo tem sangue nas mãos. Não é porque sou contra o governo de Israel, que eu sou a favor do governo do Irã. Não é porque trabalhei com a Turquia para ir a Gaza, que sou a favor do que os turcos fazem com a minoria curda. No fim das contas todos são ruins, mas a gente escolhe o menos pior, fazer o que?

O que pensa de Obama?

Eu acho que o Obama pessoalmente deve ter outras idéias, mas na hora de agir ele tem que conciliar interesses e pressões, está de mãos atadas com o establishment. Por isso acho que a possibilidade de mudança está nas mãos da sociedade, os governos nunca vão agir.

Dilma ou Serra?

No Brasil é a mesma coisa, temos que escolher o menos ruim. Vamos ver se uma mulher na presidência será um passo positivo. No mundo inteiro eu promovo essa idéia de dar mais espaço político para a mulher, quem sabe elas conseguem fazer um trabalho mais pacífico na governança. Houve claro mulheres como a Thatcher que era mais violenta que os homens. Mas eu ainda tenho pelo menos essa esperança.

Qual é a idéia do seu filme?

Rodamos o mundo buscando artistas que trabalham pela justiça. A idéia é criar uma rede de solidariedade global. Fala-se muito em globalização, então por que não globalizar a solidariedade ao invés da opressão, do mundo financeiro, da injustiça?

Que tipo de injustiça?

Por exemplo, seis milhões de pessoas morreram no Congo nos últimos dez anos. Você pode pensar que nada tem a ver com isto, mas saiba que os minerais que compõem seu computador e seu telefone celular, vem de lá. Então somos todos cúmplices. Outro exemplo: na Nigéria finalmente a Justiça obrigou a Shell a pagar 20 milhões de dólares às comunidades vizinhas pelo impacto ambiental de suas instalações petrolíferas, que ocasionaram terríveis problemas de contaminação. Outro exemplo: no Afeganistão a mulher ainda está batalhando pelo direito a ir na escola, tem gente do Taleban ameaçando as meninas com ácido para desencorajá-las.

Por que você não ouviu o "outro lado" no seu filme ou seja, os que supostamente perpetram as agressões?

Eu converso com pessoas de extrema direita, mas é sempre mais confrontacional. E eles já tem tanto espaço na mídia --como a CNN, a Fox, "New York Times"-- que eu preferi dar espaço apenas para os oprimidos.

Como trabalha a Fundação Caipirinha?

Acho super importante o trabalho dos estudiosos, que produzem dossiês com mais de 200 páginas. Mas quem vai lê-los? O trabalho artístico é uma coisa que toca todo mundo e é atrás dele que partimos. E além de produzir documentário a respeito, fazemos um trabalho de suporte jurídico, financeiro e logístico. Então é uma coisa bem complementar: filantropia, ativismo e trabalho de mídia. Somos em vinte pessoas aproximadamente.

Como você chegou nessa fórmula?

A cada ano que passa fico mais idealista. Quando eu era jovem, estava mais interessada em carreira e sucesso. Ao contrário de muitos cineastas independentes, que terminam fazendo filmes comerciais.

Você é a favor da resistência pacífica?

Gandhi falava no princípio da não-violência, referia-se a ele como um ato de coragem.

E eu senti isso na pele, quando estava na flotilha e os israelenses chegaram matando todo mundo. A gente capturou três soldados, mas fomos disciplinados e ninguém se vingou.

Como o pessoal do Hamas os recebeu?

Disseram-nos que conseguimos trazer mais atenção mundial para o conflito do que eles, com esses mísseis que costumam lançar contra Israel. Então até o Hamas está entendendo que não é por aí. Não vai chegar na justiça através de armas.

CULTURAS DA RESISTÊNCIA
DIREÇÃO Iara Lee
QUANDO hoje, às 14h20, no Unibanco Arteplex 5; amanhã, às 14h, no Unibanco Arteplex 4; e dia 4, às 13h, no Unibanco Arteplex 3
CLASSIFICAÇÃO livre

 

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