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30/10/2010 - 09h32

Eric Mendelsohn humaniza o cinema independente

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EDSON VALENTE
EDITOR-ASSISTENTE DE IMÓVEIS

Antes da exibição de "Três Quintais" no Cinesesc, na última segunda-feira (25), o diretor americano Eric Mendelsohn, 45, cumprimentou o público e afirmou que estava muito feliz pela presença de todos mesmo em uma noite de muita chuva. "Vocês vão ver o mundo através de meus olhos", refletiu.

Contou ainda à plateia que o primeiro filme estrangeiro que o encantou foi o brasileiro "Orfeu Negro" (1959), que viu na TV quando tinha nove anos de idade e que classifica como "um pequeno filme especial, estranho, simples como uma criança".

Após a sessão, em um "quase" debate de cerca de quinze minutos --e sem microfone à mão--, Mendelsohn se disse constrangido.

Segundo ele, a má projeção havia prejudicado sensivelmente a percepção sobre sua obra. "Estava tudo muito escuro", lamentou. A organização da Mostra se desculpou argumentando falta de tempo para testes e prometeu que o problema não se repetiria nas exibições seguintes.

Em entrevista exclusiva à Folha, quarta-feira passada, à beira da piscina do hotel em que se hospedou, nos Jardins (zona oeste), o diretor explicou melhor a importância da luz em "Três Quintais" --vencedor da categoria de melhor direção no festival de Sundance (EUA) deste ano, prêmio que seu "Judy Berlin" (1999) já havia ganho.

A claridade das imagens é o contraponto externo ao obscurantismo comportamental dos protagonistas. "Quis observá-los em uma privacidade sombria e também expostos, sob a luz exterior, quando estão representando papeis", disse.

Um homem sai de casa para viajar e repensar seu casamento, mas, após seu voo ser cancelado, ele encontra universos estrangeiros em sua própria cidade. Uma menina perde o ônibus escolar e fará descobertas ao vagar pelos jardins da vizinhança.

Uma mulher --Edie Falco, que atuou no seriado "A Família Soprano" e é amiga de faculdade de Mendelsohn-- dá carona a uma atriz que, abalada emocionalmente, tomará a balsa de Long Island City, região de Nova York em que o diretor nasceu e onde filmou seus longas.

São nos caminhos que situações limítrofes se impõem a essas pessoas. "Quis mostrar a vida em uma biosfera", define Mendelsohn.

Geograficamente elas percorrem, de fato, a limitada extensão de uma redoma,<qj> como os insetos no jardim. Mas não é preciso cruzar grandes fronteiras espaciais para transformar-se. "Os quintais estão também na mente das pessoas", reflete. "São lugares privados em que podemos inventar quem somos. É o subconsciente."

A psicologia da natureza humana, assim, é o que ele busca ao filmar. "Na América hoje, há milhões de pessoas que podem falar de explosões, de comédia, de diversas situações", pondera.

"Nesse filme quis abordar algo mais obscuro, o interior das pessoas. Não é um filme popular, mas é muito importante para mim."

Em sua opinião, essa aproximação mais humanista do cinema independente é uma tendência. Confira esse e outros pontos de vista do diretor --que fez figurinos para filmes de Woody Allen e é professor de cinema na Universidade de Columbia, em Nova York-- nos principais trechos da entrevista que ele concedeu à Folha.

Eduardo Anizelli/Folhapress
O diretor americano Eric Mendelsohn, que veio ao Brasil para a Mostra Internacional de Cinema
O diretor americano Eric Mendelsohn, que veio ao Brasil para a Mostra Internacional de Cinema

Folha - Qual a importância dos jogos de luz e de sombras em seus filmes [em "Judy Berlin", há um eclipse; em "Três Quintais", a presença do sol é inquietante]?
Eric Mendelsohn - Filmes em geral lidam mais facilmente com fatores externos, perseguições, explosões.
É difícil criar uma qualidade interior, e é o que sempre quis fazer. Em "Três Quintais", trato de exteriores e interiores, como quando estamos sozinhos e nos julgamos ao olhar no espelho, quando encontramos alguém e sorrimos falsamente, quando estamos distantes do familiar.
Quis adentrar o espaço das pessoas, suas mentes e então retroceder e observá-las como em um documentário sobre a natureza, como pequenas criaturas. Quis observá-las em uma privacidade sombria e também expostas, sob a luz exterior, quando estão representando papeis.
Nunca tive medo do escuro. Se estou sozinho, a luz<qj> intensa em espaços vazios é que me assusta. Na escuridão sinto-me seguro.

Diretores independentes americanos contemporâneos como Hal Hartley e Todd Solondz apresentam uma visão sardônica sobre a sociedade de seu país, mas geralmente com uma certa frieza. Você concorda que faz filmes mais comoventes que os deles?
Na América, nos últimos 15 ou 20 anos, o humanismo saiu de moda. Nos anos 70 se faziam filmes sobre seres humanos, para mim a coisa mais interessante do mundo.
É muito corajoso, e muito difícil, admitir que você ama seres humanos. Por outro lado, é muito fácil ser irônico, ser frio, sardônico, engraçado e cruel às custas dos personagens. Eu gosto de pessoas, de como elas reagem, como se comportam. Gosto de manipular a plateia para que se surpreenda ao sentir.
Uma boa história dramática aponta o dedo para o espectador e diz: "Talvez você se sinta assim, talvez faça isso quando está sozinho, talvez você não seja perfeito".

Quais suas influências?
Visualmente a maior é "O Jardim dos Finzi-Contini [1970]", de Vittorio De Sica. A abertura desse filme é esplêndida. Com recursos como "zoom" e "travelling", ele cria um sentimento de frágil e assustadora beleza.
Jacques Demy é meu diretor favorito. Ele usa pequenas cidades na França, como em "Lola" [1961], para criar mitologias. Tento fazer isso em meus filmes, mostrar não a realidade, mas a minha realidade, contida, como em um documentário.
[Ingmar] Bergman e [Michelangelo] Antonioni também me ensinaram que filmes podem ser bastante complexos e sofisticados em relação a estados interiores.

Você fez "Judy Berlin" em 1999 e "Três Quintais" em 2010; ganhou o prêmio de melhor direção em Sundance com ambos. O que aconteceu entre eles?
Vá para os Estados Unidos e eu te mostro o que acontece com cineastas. Por dez anos, sem parar, eu tentei fazer um filme. É terrível. Sou a única pessoa que ganhou Sundance duas vezes, e sabe quantos telefonemas recebi após os prêmios? Nenhum.
O governo dos EUA não dá ajuda para as artes, para os filmes de arte. Nada. Ninguém dá importância. Na Europa a situação é melhor.
Tenho 45 anos e digo que o momento atual é o pior para o cinema independente. Quando "Judy Berlin" saiu, foi exibido em todo o país, ganhei dinheiro. Agora não há nada. Em Manhattan [Nova York], por exemplo, existe apenas um cinema que exibe filmes independentes.

Como você vê, então, o futuro desse tipo de filme?
Nos anos 80 e 90, vimos muitos filmes independentes visualmente chatos e insignificantes. O movimento independente não era baseado em uma boa direção, mas sim na novidade da coisa.
Um filme feito com US$ 100 mil, quantia que o diretor arrecadou com a venda de um rim? Então vou vê-lo. É um filme bom? Não sei.
Isso acabou. As pessoas não consideram mais um filme independente interessante só por ser independente.
Há um retorno, no mundo todo, dos filmes intensamente visuais. É um expressionismo. Wong Kar-Wai e Lucrecia Martel são expressionistas, bem como os cineastas tailandeses. Eles usam a câmera para contar histórias.
O passo seguinte será um retorno ao humanismo dos anos 70. As pessoas estão cansadas de ironia e sarcasmo. Após o 11 de Setembro, é "ok" ser emocional e falar de sentimentos nos EUA.

Quanto custaram seus filmes? Quem os bancou?
Eu paguei por eles com a ajuda de amigos e de meus pais. "Três Quintais" custou US$ 300 mil, é muito dinheiro para amigos. Já tenho dois outros roteiros prontos há vários anos, mas vai demorar para conseguir filmá-los.

 

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