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27/01/2011 - 07h27

Centenário de Nelson Cavaquinho inspira enredo e tributo

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MARCUS PRETO
DE SÃO PAULO

Em "Quando Eu Me Chamar Saudade", um de seus tristíssimos sambas, Nelson Cavaquinho (1911-1986) dizia preferir receber "as flores em vida". Que depois da morte e do tempo passado, ele acabaria esquecido. "Por isso é que eu penso assim: se alguém quiser fazer por mim, que faça agora."

Ao que parece, o Brasil levou o pedido a sério. No centenário de nascimento do autor de clássicos como, entre tantos, "Luz Negra", "A Flor e o Espinho", "Juízo Final", "Palhaço", "Folhas Secas" pouca coisa está sendo planejada em seu nome.

São raras as exceções.

A mais importante vem da Estação Primeira de Mangueira, escola do compositor, que dedica a ele o enredo deste ano: "O Filho Fiel, Sempre Mangueira".

Também perto do Carnaval sai um álbum com gravações inéditas de sua obra por 20 artistas da MPB.

Organizado pelo produtor Thiago Marques Luiz para a pequena Lua Music, vai reunir sambistas (Beth Carvalho, Alcione, Fabiana Cozza, Lecy Brandão, Teresa Cristina, Benito di Paula) e cantores de outros universos (Arnaldo Antunes, Zeca Baleiro, Ângela RoRo, Cida Moreira).

"Ninguém ainda se debruçou sobre Nelson Cavaquinho como ele mereceria", diz Paulinho da Viola. "Pode haver um livrinho ou outro, mas nada que conte um décimo do que foi a vida dele."

Antes de conhecer Nelson pessoalmente, em meados dos anos 1960, Paulinho sabia de suas músicas e do "folclore" em torno de sua figura.

Algo que ele chama de "comportamento libertário, desprendido de muitas regras sociais sob as quais todos nós vivíamos". "Era o verdadeiro hippie", conclui.

Parceiro de Nelson e seu amigo até o fim da vida, Eduardo Gudin concorda com o adjetivo. "Sim, ele era hippie. Vivia o momento. Era uma pessoa muito simples, quase infantil em alguns aspectos. Intuitivo, um violão muito bruto. E saíam melodias dignas de Tom Jobim."

Gudin aponta a vaidade como outra característica do compositor. Lembra das vezes em que o levou à rodoviária, às 5h30 da manhã, "para pegar o [ônibus] Cometa de volta ao Rio".

"Ele cumprimentava o motorista: 'Ô, menino, não está me conhecendo? Nelson Cavaquinho! E aqui está Eduardo Gudin, que também grava na Odeon'. Ele sentia que, onde chegava, as pessoas o viam como uma entidade."

Manoel Pires/Folhapress
O cantor e compositor Nelson Cavaquinho em apresentação no Teatro Opinião, em São Paulo, em 1982
O cantor e compositor Nelson Cavaquinho durante apresentação no Teatro Opinião, em São Paulo, em 1982

IMPULSOS

Desde que começou a compor, ainda nos anos 1940, Nelson recebeu dois impulsos fundamentais para que suas canções ganhassem lugar nos ouvidos do país: as gravações de Nara Leão, na década de 1960, e as de Beth Carvalho, a partir de 1973.

Sua obra já era reconhecida antes disso, sobretudo nas vozes de Cyro Monteiro e Dalva de Oliveira, ainda nos anos 1940. Mas, ali, Nelson lidava com a própria obra de maneira descompromissada.

Segundo relato de amigos, vendia parcerias para gerentes de hotel em troca de uma cama para dormir, de bebida.

Uma vez, Cartola lhe contou que viu um desconhecido tocando "Devia Ser Condenada", parceria dos dois, dizendo-se o autor do samba. Nelson respondeu: "Eu vendi a minha parte". Perdeu o parceiro para sempre.

Foi a gravação de "Luz Negra" por Nara Leão, em seu álbum de estreia, em 1964, que jogou luz no compositor trágico que Nelson era.

Musa da bossa nova, Nara vivia uma fase de pouca identificação com os rumos que o movimento tomara até ali. E foi buscar repertório no universo do samba.

Salto de popularidade ainda maior aconteceria a partir do lançamento de "Folhas Secas", entregue por Nelson ainda inédita para Beth Carvalho. A partir dali, a cantora defenderia sambas do autor em quase todos os seus álbuns, totalizando hoje mais de 40 gravações.

"É o maior compositor do mundo", diz Beth, que, em 2001, dedicou um álbum inteiro ao compositor. "Era o Nelson Rodrigues da música. Vivia e falava de assuntos muito trágicos sem nunca, jamais cair no ridículo. E, ao mesmo tempo, era uma pessoa engraçadíssima."

Entre as histórias que Beth coleciona está a do sonho que Nelson teve, segundo o qual morreria naquele mesmo dia, às 3h da madrugada. Acordou e eram 15 para as três. Antecipou o relógio para meia-noite. "Nessa você não me pega!"

Não queria morrer. Medo de ser esquecido, talvez.

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Ouça comentários do repórter sobre o centenário de Nelson Cavaquinho:

Marcus Preto

 

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