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01/12/2011 - 11h29

Todo o passado pode ser tuitado

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PATRICIA COHEN
DO "NEW YORK TIMES"

Adolf Hitler passou décadas preparando sua campanha para dominar o mundo. Alwyn Collinson, 24, diplomado recentemente em história da Renascença pela Universidade Oxford, precisou de apenas cinco dias para arquitetar seu próprio plano para invadir a Polônia.

Em 26 de agosto, Collinson era apenas um gerente de marketing de uma revista em Oxford que se divertia com a ideia de lançar algum tipo de projeto em tempo real no Twitter que pudesse capturar a atenção das pessoas --talvez algo como a transmissão radiofônica "Guerra dos Mundos", feita por Orson Welles em 1938, mas que não deixasse as pessoas mortas de medo.

De repente ele teve a ideia de tuitar a maior guerra terrestre de todos os tempos, e em 31 de agosto --72 anos, quase até a hora exata, depois de os tanques de Hitler terem atravessado a fronteira-- o projeto do Twitter @RealTimeWWII (Segunda Guerra Mundial em Tempo Real) tinha começado.

De lá para cá os dominós vêm caindo rapidamente. Os cerca de 300 seguidores iniciais chegaram a 10 mil em meados de setembro, depois de o projeto ter sido destacado no blog The Next Web.

Em 9 de novembro, a mesma data em que, em 1939, dois espiões britânicos foram capturados pela SS na cidade de Venlo, na fronteira holandesa, o total já tinha chegado a 45 mil. Na semana passada Collinson já contabilizava 140 mil seguidores, superando de longe o número de seguidores de feeds semelhantes como @ukwarcabinet (baseado em documentos dos Arquivos Nacionais britânicos que detalham os debates de Winston Churchill no gabinete em 1941).

Voluntários já começaram a traduzir o feed RealTimeWWII para o espanhol, português, russo, árabe, chinês e turco, e estão sendo discutidas versões em francês, holandês e alemão.

"O interesse gerado me surpreendeu", falou Collinson recentemente em entrevista telefônica. "Não tenho pretensões de fazer um grande trabalho de erudição histórica. Queria apenas despertar o interesse das pessoas."

Ele parece ter escolhido uma mídia eficaz para isso. "Aqueles que esquecem a história são fadados a retuitá-la", declara o slogan do site educativo TwHistory, que começou em 2009 com uma reencenação da Batalha de Gettysburg em saraivadas de até 140 caracteres. Parece que o mesmo destino está reservado àqueles que se lembram dela.

É difícil passar uma hora no Twitter sem se envolver e fascinar com um relato passo a passo da Guerra Civil Americana, da malfadada expedição polar de Robert Falcon Scott em 1911 ou da guerra árabe-israelense de 1948, sem falar em uma série de feeds biográficos de gente como Paul Revere, John Quincy Adams, Churchill e Samuel Pepys, este último morador de Londres no século 17 que deixou um diário detalhado e já reúne mais de 22 mil seguidores.

Até mesmo a empregada de Pepys, Jane Birch, conta com um feed próprio --ou contava até março, quando desistiu repentinamente depois de postar queixas sobre o roncar incessante de seu patrão, além de seu cachorro incontinente.

Alwyn Collinson fala com modéstia agradável de seu projeto que é tudo menos modesto. No dia 22 de novembro, enquanto Hitler desancava seus generais por não acreditarem em seu triunfo final --"material de ironia dramática", disse Collinson--, ele estava ocupado dando os retoques finais na programação de marketing da "Daily Information", a revista na qual exerce um cargo remunerado ao mesmo tempo em que escreve até 40 tuítes por dia relacionados à guerra, na medida do possível acompanhando o horário exato em que os fatos ocorreram (a ferramenta de mídia social SocialOomph o ajuda a programar posts para os horários em que se supõe que ele esteja trabalhando ou dormindo).

"A Segunda Guerra Mundial me proporciona algo a fazer com meu tempo", disse ele. "O emprego no escritório me conserva com os pés no mundo real."

Quando o projeto começou, Collinson estava usando principalmente "alguns livros confiáveis", disse ele, além de qualquer coisa que conseguisse encontrar com a ajuda do Google. Mas desde então seus leitores já o conduziram para algumas fontes obscuras e dispersas.

Um leitor lhe mandou um artigo de um jornal polonês descrevendo uma tentativa de assassinato de Hitler cometida em outubro de 1939 e que não tinha sido mencionada nas linhas do tempo que ele estava consultando. Outros enviaram links para os diários escritos por parentes deles durante a guerra, postados em blogs pouco lidos.

VIDA REAL

Collinson disse que suas metas são educar seus seguidores sobre a sequência básica dos acontecimentos e proporcionar uma ideia de como a guerra foi sentida pelas pessoas comuns, que não faziam ideia de como ela iria terminar.

"Ainda recebo dezenas de tuítes todos os dias de pessoas que dizem 'esqueci que eu estava seguindo a Segunda Guerra Mundial e de repente pensei que os alemães estavam prestes a invadir a Holanda hoje'", contou Collinson. "É exatamente o efeito que quero: transmitir o medo, a insegurança, o choque. Foi assim para as pessoas que viveram a guerra."

A maioria dos historiadores profissionais consultados vê o trabalho de Collinson com bons olhos.

"As pessoas no passado não estavam vivendo no passado --estavam vivendo em seu próprio presente", disse por e-mail Timothy Snyder, professor da Universidade Yale e autor de "Bloodlands: Europe Between Hitler and Stalin". "Esse tipo de tuíte devolve ao passado o caráter autenticamente confuso do presente."

Max Hastings, cujo livro "Inferno: The World at War, 1939-1945" foi uma das fontes iniciais de Collinson, concorda. "Acho que esse trabalho não substitui a narrativa coerente e a análise que apenas livros podem fornecer", disse ele. "Mas oferece uma experiência imediata e um ritmo que são atraentes, especialmente para uma geração mais jovem."

Atraentes por enquanto, pelo menos. Andrew Roberts, autor da história narrativa recente "The Storm of War: A New History of the Second World War", tem suas dúvidas quanto às chances de Collinson conseguir manter o interesse dos leitores durante o período conhecido como a "guerra fajuta", que na época também ficou conhecido como "guerra do tédio".

"Foi um período nada emocionante", disse Roberts. "No que diz respeito à guerra terrestre, não acontece nada entre 18 de outubro" (quando Hitler anunciou a diretiva de invasão da Europa ocidental) "e a invasão da Noruega e Dinamarca."

Mas Collinson diz que está "ansioso, se é que esse é o termo apropriado" para a invasão soviética da Finlândia, embora não tenha certeza de conseguir levar o projeto até a vitória dos aliados sobre o Japão, em agosto de 2017. "Se eu tentar manter o feed por seis anos, ficarei louco", disse ele.

Outros projetos históricos passo a passo no Twitter fracassaram. O @PatriotCast, um feed dedicado à Guerra da Independência americana e que tinha cerca de 2.600 seguidores, deixou de funcionar repentinamente em janeiro passado, com o anúncio anticlimático de que "um grande carregamento de pólvora chegou a Egg Harbor, N.J.".

O @Monticello TJ, um feed baseado nos diários de Thomas Jefferson, silenciou em setembro de 2010 depois de semanas de observações pouco fascinantes sobre o tempo e o estado do campo de milhete de Monticello. Um feed mais polêmico montado pelo jornal britânico "The Guardian" no décimo aniversário do 11 de setembro foi fechado após meros 16 tuítes, depois de suscitar ultraje público.

Collinson disse que está atento para questões de bom gosto, na medida em que se aproxima de tratar do Holocausto. Mas está determinado a continuar com sua abordagem neutra, limitada aos fatos, ao mesmo tempo em que a internacionalização do feed abriu seus olhos para as limitações de sua própria perspectiva britânica.

Jeffrey Wasserstrom, professor de história chinesa na Universidade da Califórnia, em Irvine, observa que esse viés foi evidente desde o primeiro tuíte de Collinson. Afinal, os chineses situam o início da Segunda Guerra Mundial não na invasão da Polônia por Hitler, mas na invasão japonesa do norte da China, em 1937.

Mesmo assim, disse Wasserstrom, o RealTimeWWII pode ter se apoderado do maior evento histórico tuitável que existe, rico em fontes documentais mas ainda não sobrecarregado de fluxos de dados como o próprio Twitter.

"Não seria possível tuitar alguma coisa que se desenrolasse em tuítes", disse Wasserstrom. "Você enlouqueceria. Mas a Segunda Guerra Mundial, apesar de ser enorme, é administrável."

Tradução de Clara Allain.

 

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