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01/08/2010 - 08h00

Publicidade de produto lícito não faz mal à saúde, diz presidente do Conar

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MARIANA BARBOSA
DE SÃO PAULO

Quando o Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) foi criado, em 1980, sua primeira bandeira foi acabar com a censura prévia da Polícia Federal aos comerciais.

Ao fazer 30 anos, o órgão formado por publicitários, anunciantes e veículos se vê diante do que considera uma nova batalha: a tentativa, por parte de ONGs, parlamentares e da Anvisa, de restringir a publicidade de alimentos de baixo teor nutricional, bebidas e medicamentos e aquela voltada para as crianças.

Para o presidente do Conar, Gilberto Leifert, as iniciativas não refletem uma demanda real da sociedade nem tampouco vão resolver os problemas de obesidade, saúde pública e da infância. Veja os principais trechos da entrevista.

Folha - Há uma série de iniciativas do governo, por meio da Anvisa, para regular a publicidade de alimentos, medicamentos e bebidas. No Congresso, há outras 200 propostas para regular a propaganda. Como o sr. vê esse cerco à propaganda?

Gilberto Leifert -As iniciativas da Anvisa e muitos projetos de lei no Congresso tentam restringir a propaganda de produtos lícitos que estão à venda no comércio. Publicidade de produto lícito não faz mal a saúde. Os defeitos do consumo exagerado, irracional, são resultantes de uma conduta individual reprovável, mas não são defeitos da ferramenta publicidade. Ou os produtos têm defeitos intrínsecos e não deveriam ser fabricados ou consumidos ou, se o Estado admite que eles deveriam ser ofertados, é porque os considera seguros para consumo. O jovem bebe porque a tribo bebe. A propaganda influencia na escolha da marca.

A resolução da Anvisa com normas para a publicidade de alimentos não saudáveis está prevista para entrar em vigor em 30 de dezembro. Os anunciantes vão entrar na Justiça?
A AGU (Advocacia Geral da União) já deu um parecer contrário à resolução. Acreditamos que a Anvisa vai seguir o entendimento da AGU, que diz que a competência para legislar sobre a propaganda é do Congresso Nacional. Não pode ter decreto presidencial proibindo propaganda, que dirá uma resolução ou portaria. Toda vez em que o governo tomar medidas atabalhoadas avançando sobre as liberdades públicas, o particular vai pedir indenização. Isso tem repercussão econômica. É muito estranho só a publicidade ser alvo de políticas públicas. Vemos isso como um viés autoritário da Anvisa ou de um menor esclarecimento a respeito do papel da publicidade no desenvolvimento do país e na sustentação dos meios de comunicação. A Anvisa parece ter jurisdição sobre 25% do PIB brasileiro. Ela escreve as regras, fiscaliza seu cumprimento, impõe multas e julga os recursos.

Apesar desse poder, até agora a propaganda tem vencido as batalhas, tanto contra a Anvisa quanto em relação a iniciativas no Congresso.

O que não prosperou, tem como causa defeitos jurídicos graves ou uma contaminação ideológica tal que torna o projeto inviável. Quando você proíbe todas as crianças de aparecerem em qualquer anúncio de qualquer produto, os lúcidos e esclarecidos se assustam. Não passou.
A Constituição diz que só uma Lei Federal poderá legislar sobre a propaganda comercial e elencou cinco categorias em que pode haver restrições à publicidade: medicamentos, tabaco, bebidas alcoólicas, terapias e defensivos agrícolas. A Constituição não permite restrição sobre publicidade de alimentos e refrigerantes. Mas mesmo com as decisões da AGU, a Anvisa continua tentando, baseada nas mesmas crenças.

A Anvisa não está cuidando da saúde?

Banir a publicidade é uma forma preguiçosa de acudir a sociedade. Por que o governo não faz publicidade para estimular os hábitos saudáveis? Campanhas públicas podem ser parte da política de saúde. Cadê o acesso ao sacolão e a quadra esportiva nas escolas? Só impedir a propaganda não vai resolver. Só serve para afastar o anunciante da mídia. O consumidor tem informação abundante sobre o problema do consumo. Não há quem não saiba que fumar e beber faz mal a saúde. Os prazos que no Brasil são determinados para operar mudanças demonstram a crença da autoridade no poder da canetada.

Se a canetada não resolve e é inconstitucional, será que não há uma omissão por parte do Conar quando se vê na sociedade uma demanda por maiores restrições à propaganda? Na Europa as empresas de fast food fazem alertas sobre exercícios e muito se discute sobre o efeito da propaganda sobre as crianças.

Com a degradação da família, a falência da educação, a menor influência da religião e o acesso mais amplo aos meios de comunicação, aqueles que se sentem fragilizados diante da maior dificuldade em educar, acham que o Estado deve assumir esse papel. Mas o primeiro papel é o dos pais e o segundo, da escola. A decisão de consumo não é das crianças. É dos adultos. Ainda que elas sejam estimuladas para o consumo, os pais é que devem orientá-las a tomar as decisões porque têm repercussão na economia doméstica e na saúde delas. Mas nem sempre os pais têm feito isso. E pais ausentes, dizem os pedagogos, tendem a fazer agrados através do consumo.

O sr. acha que o Estado não deve assumir esse papel?

Acredito que o Estado pode contribuir orientando os pais. No Conar, achamos que o ensino fundamental deveria incluir uma disciplina de educação para o consumo e hábitos saudáveis. Vamos ensinar aos pequenos os benefícios de uma dieta balanceada, os malefícios do cigarro e das drogas. Para que eles se transformem em cidadãos responsáveis e consumidores conscientes. Não é só um problema da Coca-Cola, do McDonald's e de fabricantes de biscoito. O problema é que o currículo está incompleto. Elas não estão recebendo orientação nem estão sendo estimuladas aos hábitos saudáveis.
E porque países como Suécia, que têm quadra na escola, nível elevado de consciência, têm restrições mais rígidas à propaganda que o Brasil?

Não saberia dizer. Mas sei que pelo menos essas iniciativas não reduziram o elevado número de suicídio naquela sociedade. A felicidade, que todos buscamos, cada país a seu modo, com sua cultura, tem diferentes receitas. Aqui no Brasil, os jogadores de futebol são os melhores do mundo. Sabemos que essas crianças foram educadas jogando bola na rua, não estudaram 12 horas por dia, mas trouxeram grandes alegrias. Acho que existe no Brasil um movimento de intolerância que pretende limitar o humor, o direito de escolha das pessoas. Na publicidade infantil, nosso código de ética diz que os comerciais não podem ter um apelo imperativo ao consumo nem abusar da incredulidade da criança. Mas praticamente não recebemos reclamação de pais contra propaganda infantil.

O consumidor não reclama?

O Estado quer impor algo que não é tido como um problema pra sociedade. Não tem demanda social para essas restrições. De todas as reclamações que chegaram aos Procons de todo o país entre setembro de 2008 e agosto de 2009, só 1,19% era relacionada à propaganda. O consumidor também vem pouco ao Conar. Só 24% dos processos abertos no ano passado pelo Conar foram movidos por consumidores

Não cabe ao governo zelar pela saúde da população, uma vez que isso se reflete nos gastos com saúde?

A autoridade sanitária tem um papel importantíssimo em uma sociedade que tem produtos que não estão na economia formal e que têm epidemias. O país tem hábitos sanitários precários. No entanto, as regras da Anvisa só serão aplicadas aos anunciantes. A tubaína de fundo de quintal e o biscoito lotado de gordura trans vendido a granel, que não são submetidos a controle sanitário e nem são anunciados, vão continuar na mesa dos cidadãos. Nos países desenvolvidos, encorajados pela OMS (Organização Mundial da Saúde), todos estão sendo chamados para conversar: Estado, escola, fabricantes de produto, meios de comunicação, sanitaristas, juristas. Todos têm de ajudar a construir modelos para aprimorar a sociedade. Não se resolve o problema cuidando só da propaganda. A OMS encoraja isso, mas aqui a Anvisa quer sair na frente. Mas só contra a publicidade, sem as outras ações.

Quando cada um estiver fazendo a sua parte, o anunciante ficaria mais disposto a colocar a tarja no comercial estimulando a prática de esportes?

Isso vários já fazem. Não só na Europa como aqui no Brasil, por recomendação do Conar. A questão é que a Anvisa quer que o anunciante fale mal do seu produto, ao exigir que o aviso de cárie ou o que seja esteja associado à marca. Não é que o Conar seja contra o aprimoramento das regras para a publicidade e para o consumo. É que as regras que nos foram apresentadas e sobre as quais fomos chamados a opinar, nas audiências públicas da Anvisa, no Congresso, eram absurdas. Tirar a criança do comercial não vai resolver os problemas da sociedade. Se o problema é excesso de açúcar, sódio ou gordura trans, a autoridade sanitária tem de cuidar da formulação do produto e não da publicidade.

Mas o fim da publicidade do cigarro não ajudou a reduzir o consumo?

O país, por meio do Congresso, decidiu praticamente banir a publicidade do cigarro. E o Conar tem ajudado a fazer cumprir a lei. Quando encontramos algum anúncio, atuamos. Mas uma pesquisa da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) indica que depois do banimento da publicidade, ao contrário do que se apregoa, o consumo não teve o comportamento que se esperava. Não promovemos a divulgação dessa pesquisa para não dizerem que somos nostálgicos. Mas queríamos ver o resultado quando se atua apenas sobre um fator isolado. Nos EUA, a publicidade de cigarro é livre. Por autorregulamentação, não tem publicidade de cigarro nem de bebida na televisão. Mas na mídia impressa se anuncia. É possível, sem violar as liberdades públicas, conciliar esses interesses.

O sr. falou na intolerância e falta de humor da sociedade. Com a decisão de suspender a veiculação do comercial da cerveja Devassa com Paris Hilton, o Conar foi criticado por falta de humor, falso moralismo e até de censura.

Agora que o caso foi julgado e não cabe recurso, cabe comentar. A cervejaria e a agência estão submetidas às regras do código de autorregulamentação. E está combinado que eventuais apelos à sensualidade não constituirão o principal conteúdo da mensagem. E que modelos publicitários jamais serão tratados como objetos sexuais. A campanha tinha um defeito ético. Foi estruturada para causar escândalo. Era uma marca que não tinha notoriedade e que alcançou, por meio da criação frenética de factóides, a pretendida exposição.

E a decisão do Conar só aumentou essa exposição

O efeito da promoção às custas do Conar é um ônus que o Conar paga. Não podemos fugir das nossas responsabilidades. Estava combinado que não podia fazer, fizeram e o anuncio foi suspenso. Então não é censura. Causa grande incômodo para o conselho ser acusado de censor. Mas sempre defendemos a liberdade de expressão. Por isso não nos insurgimos nem permitimos que a indisposição que eu aqui confesso interferisse na decisão.

Como os interesses de concorrentes interferem nas decisões do Conar?

Há representantes da sociedade civil no Conselho de Ética do Conar. E nossa experiência mostra que na presença dos representantes da sociedade civil não cabem acordos entre publicitários interessados na conta deste ou daquele cliente, ou com veículo que poderão perder faturamento se a campanha for sustada. Ninguém aqui no conselho, quando investido da condição de voluntário tem interesse que não seja o de julgar a luz do código e da ética.

As decisões do Conar costumam ser contestadas na Justiça?

Em 30 anos, tivemos mais de 7 mil processos e apenas 9 decisões foram contestadas judicialmente. E vencemos em todas. Não temos poder de polícia, não prendemos nem multamos. Apenas recomendamos que o anunciante modifique a peça ou que veículo suspenda da veiculação. E os veículos cumprem.

Qual o balanço que o sr. faz do sistema de autorregulamentação?

A autorregulamentação não é ausência de leis. O Brasil tem sistema misto, com legislação e autorregulamentação. Nós conseguimos, por via da autorregulamentação, normas que têm detalhes que se fossem escritos em lei poderiam ser considerados inconstitucionais. Os regulados abrem mão de frações de seus direitos em nome do bem comum. Engana-se quem acredita que o anunciante fica feliz de pregar mentira e ser recusado no ponto de venda. No Brasil, propaganda enganosa dá detenção e multa. Está no código de defesa do consumidor. Quando Conar resolve as controvérsias que ele mesmo cria, diante de um anúncio, é um grande negócio para anunciante e consumidor.

O sr. é um renomado diretor da Rede Globo, está desde 1998 à frente do Conar. Mas ultimamente o sr. passou a ser conhecido também como o pai do Tiago [apresentador do Globo Esporte, que se destacou ao apresentar o programa Central da Copa durante o mundial].

Pois é, agora tenho agora essa nova identidade. Me orgulho muito da pessoa e do profissional que ele é. E dentro do tema que estamos tratando, vale falar sobre ele. Ele tem 30 anos, a idade do Conar, vinha aqui quando ainda engatinhava. Sempre estimulei o debate em casa. Ele sempre esteve muito próximo das questões da ética na comunicação e conhece bem o limite entre o comercial e o editorial. Apesar de exposto a comerciais desde sempre, não bebe, nunca fumou e pratica esportes. Nunca foi proibido de tomar refrigerante. Tomava até Coca-Cola na mamadeira.

SAIBA MAIS

No início de julho, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) baixou uma portaria, prevista para entrar em vigor em dezembro, que restringe a publicidade de alimentos e bebidas de baixo valor nutricional ou com excesso de açúcar, sódio e gordura trans. Antes, a Anvisa já tinha tentado, restringir o horário de veiculação de propaganda de cerveja e também impor maiores restrições a anúncios de medicamento. Nos três casos, a Anvisa foi desaconselhada pela AGU (Advocacia Geral da União), que emitiu pareceres sustentando que não cabe à Anvisa e sim ao Congresso Nacional, legislar sobre a propaganda. Mas a diretoria da Anvisa ainda decidiu se seguirá ou não a orientação da AGU no caso da propaganda de alimentos.

 

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