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14/12/2011 - 19h15

Crescimento econômico no Panamá ainda não baniu fantasmas antigos

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RANDAL C. ARCHIBOLD
DO "NEW YORK TIMES, NA CIDADE DO PANAMÁ

Arranha-céus novos se enfileiram de frente para o mar, como uma pequena Dubai, dizem os propagandistas da Cidade do Panamá. Entre eles há uma nova torre Trump de 70 andares que é o edifício mais alto da América Latina.

Um novo acordo de livre comércio com os Estados Unidos promete mais empregos. O Canal do Panamá passa por uma ampliação de US$5,25 bilhões. E mais uma escavação grande teve início este ano - para a construção do primeiro metrô da América Central.

O Panamá é o lugar certo para se estar, disse Sergio Yurman, integrante de uma onda de venezuelanos que deixaram seu país conturbado para recomeçar a vida aqui.
"Este é um país do terceiro mundo que está a caminho de virar do primeiro", disse Yurman, advogado que chegou cinco anos atrás e criou uma empresa que fornece espaço de escritório para firmas recém-fundadas. "A visão que tem o Panamá é a certa."

Sendo a ponte fina entre as Américas do Norte e do Sul, o Panamá já é há muito tempo uma encruzilhada geográfica e financeira que se escora no vínculo estreito que tem com os Estados Unidos. O afastamento de Manuel Noriega e seu governo militar por forças americanas, quase 22 anos atrás, introduziu uma era de estabilidade política e investimento financeiro que fez deste país de 3,5 milhões de habitantes uma das economias que mais crescem no hemisfério ocidental.

Mas o retorno de Noriega no domingo, para enfrentar acusações de homicídio e outras aqui - depois de cumprir penas de prisão nos EUA e França por tráfico de drogas e lavagem de dinheiro - trouxe de volta perguntas sobre se o brilho do sucesso teria simplesmente servido para melhor ocultar muitos dos fantasmas antigos do Panamá.

Várias das torres que tanto impressionam durante o dia se destacam à noite por uma razão diferente: muitas ficam escuras ou quase escuras, indicando a ausência parcial ou total de ocupantes. Perguntas são feitas aqui e no exterior sobre o dinheiro que esteve por trás delas e sobre a possibilidade de estar se formando uma bolha, especialmente no mercado de escritórios.

Organizações locais e internacionais que fiscalizam a corrupção dão nota baixa ao país no quesito transparência, e autoridades policiais americanas, embora dêem crédito ao país por ter melhorado suas forças policiais e pela cooperação com agências internacionais, ainda o enxergam como importante paraíso de lavagem de dinheiro.

As ruas inundam por excesso de construções. Uma nova via expressa promete desafogar as ruas sempre engarrafadas, mas também virou alvo de protestos contra os custos do desenvolvimento, com planos para a construção de uma extensão que vai passar perto do distrito histórico de Casco Viejo, podendo levar à remoção deste da lista de Patrimônios Mundiais da Unesco.

A expectativa é que a extensão ajude no desenvolvimento de mais um projeto imobiliário de altos edifícios. Ela conta com o apoio do presidente, Ricardo Martinelli, magnata de supermercados eleito mais de dois anos atrás e cujo estilo agressivo na construção do que ele chama de "a Dubai da América Latina" lhe vale aplausos de partidários e o escárnio de seus adversários.

"Se você tivesse me perguntado alguns anos atrás, eu teria dito que o Panamá melhorou de todas as maneiras desde que Noriega se foi", falou Patrizia Pinzon, corretora imobiliária que liderou o protesto contra a via expressa. "Agora meu medo é que o país esteja rapidamente voltando a ser uma cleptocracia."

Outros observam que o ensino público é falho e que a pobreza continua grande, especialmente nas áreas rurais que ainda não sentiram o efeito do boom.

"O crescimento implicou em certa prosperidade, mas o Panamá possui uma economia dupla na qual as áreas urbanas se beneficiam do boom da construção, de obras governamentais e investimentos estrangeiros, mas a zona rural, e especialmente as áreas indígenas, ficam para trás", opinou Orlando J. Perez, estudioso de política latino-americana na Universidade Central Michigan e autor de "Political Culture in Panama: Democracy After Invasion", publicado este ano.

De acordo com cifras da ONU, embora o Panamá tenha um dos maiores índices de renda per capita no mundo em desenvolvimento, mais ou menos um terço de sua população vive na pobreza. Bairros decrépitos são vizinhos de outros, novos e reluzentes.

Mesmo assim, pessoas como Mireya Franklin, 32, secretária que trabalha em um dos novos edifícios de bancos, não podem deixar de ficar maravilhadas com a transformação, que trouxe novos shopping centers, cafés e boates.

"Eu não diria que a Cidade do Panamá está como Miami", disse ela, caminhando pela avenida de beira-mar. "Mas a gente sente que há um pouco disso aqui."

A maioria dos analistas acredita que a economia diversificada e em crescimento vá continuar assim por enquanto, reforçada pela ampliação do canal e as obras de construção em terrenos antes pertencentes aos Estados Unidos, além das obras públicas. Alguma desaceleração está prevista para 2012 devido aos problemas econômicos globais. Mesmo assim, a expectativa é que o PIB cresça mais de 8,5% este ano, ou ainda mais segundo algumas previsões.

O canal, que os EUA entregou ao Panamá em dezembro de 1999, contribuiu ao país com US$6,6 bilhões desde então, e sua ampliação, a ser concluída em 2014 para permitir a passagem de navios mais largos, deve manter o dinheiro entrando.

Ao mesmo tempo, os investimentos externos estão aumentando. No ano passado aumentaram 33%, e no primeiro semestre deste ano tiveram crescimento de 17% em relação ao primeiro semestre de 2010.

Luis Laguerre, presidente da Câmara Americana de Comércio do Panamá, disse que várias empresas - entre elas a Dell, Caterpillar e Procter & Gamble - estão transferindo operações regionais para o país ou abrindo e ampliando escritórios já existentes, em parte graças a uma lei aprovada em 2007 que garante isenções de impostos e vistos a multinacionais.

Ao mesmo tempo o Panamá está tomando medidas para afastar sua reputação de lugar próprio para esconder dinheiro. Nos últimos dois anos, assinou acordos com 12 países, entre eles os EUA, para compartilhar informações tributárias e outras a pedido - uma ferramenta para a investigação de crimes financeiros.

"É mais trabalhoso abrir uma conta bancária no Panamá que nos Estados Unidos", disse Felipe Chapman, economista da consultoria Indesa e ex-executivo chefe da Bolsa de Valores do Panamá. "O Panamá evoluiu tremendamente nos últimos 20 anos."

Mas a lavagem de dinheiro ainda preocupa a polícia americana. Um funcionário americano que investiga esse tipo de crime mas não é autorizado a falar publicamente sobre o assunto disse que a movimentada zona de livre comércio de Colón, uma meca de compras "duty-free" na costa caribenha, ainda é um paraíso para a lavagem de dinheiro.

Além disso, falou o funcionário, grandes valores em dinheiro vivo passavam facilmente pelo aeroporto internacional do Panamá, ele próprio um centro crescente de vôos de e para todas as partes da América Latina, graças às normas alfandegárias pouco rígidas e pouco aplicadas.

E os jornais ainda divulgam uma onda interminável de estelionatos, atos de corrupção e outras maracutaias, algumas delas cometidas por funcionários do governo. A organização Transparency International deu ao Panamá um escore de apenas 3,3 (de um máximo possível de 10, sendo que 10 representa um país sem corrupção) devido à percepção de corrupção.

Mesmo o projeto do canal vem sendo questionado.

Telegramas diplomáticos americanos vazados no ano passado revelaram o aviso de um vice-presidente panamenho de que a ampliação do canal seria um "desastre" em construção e
Martinelli lamentando que a autoridade do canal, uma agência separada do governo, pode ter escolhido a empresa que executa o serviço porque ela é comandada por seu primo. Mais tarde, autoridades panamenhas contestaram o que foi dito no telegrama.

Muitos estão observando para ver se e como Noriega será julgado por acusações de homicídio. O julgamento será visto como sinal de maturidade das instituições panamenhas.
"Ainda existem algumas bananas na república", falou Maurice Belanger, executivo da câmara de comércio e observador de longa data do Panamá. "Mas essa situação está mudando rapidamente."

TRADUÇÃO DE CLARA ALLAIN

 

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