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31/01/2012 - 07h44

"Em vez de matar, agora prendem", diz oposicionista russo

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MARINA DARMAROS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM MOSCOU

No dia 31 de dezembro, uma semana depois do protesto que reuniu cerca de 100 mil pessoas na capital russa pela anulação das eleições parlamentares, o político oposicionista Eduard Limonov, 68, foi preso quando descia do carro para realizar mais uma demonstração da oposição, a ação Estratégia-31.

Liberado alguns minutos antes do Ano Novo, o líder do extinto partido Nacional Bolchevique --hoje substituído pelo não regularizado Outra Rússia-- teve negado também em dezembro seu pedido de registro como candidato independente às próximas eleições presidenciais de março de 2012.

O político, que criou alguns dos principais movimentos sociais do país na atualidade, como a Marcha dos Discordantes e o Estratégia-31, devido aos quais foi preso pelo menos 20 vezes nos últimos três anos, disse à Folha que ser oposição na Rússia é como participar de uma guerra.

Desligado da "oposição burguesa" que reuniu as massas nos maiores protestos da era de Vladimir Putin, como no dia 24, comandou uma ação na frente da Duma (câmara baixa do parlamento russo) para tentar impedir a entrada dos novos deputados que resultou em 25 detenções.

*

Folha - Qual foi sua ideia ao criar o Estratégia-31?

Eduard Limonov - A primeira vez que eu protestei na Praça do Triunfo foi em 31 de janeiro de 2009, ou seja, há quase três anos. A ideia era essa: em todos os meses do ano que tivessem 31 dias ir sempre para um mesmo local, e tornar realidade o Artigo 31 da Constituição, sobre a liberdade de reunião pacífica.

Dmitry Lovetsky/Associated Press
Manifestante nas ruas de St.Petersburg, na Rússia, após realização de eleições parlamentares
Manifestante nas ruas de St.Petersburg, na Rússia, após realização de eleições parlamentares

Nós já tentamos há três anos, mas por enquanto não conseguimos realizar a liberdade e a reunião pacífica. É uma ideia simples, uma dramaturgia clássica: estamos em um mesmo local, no mesmo horário, todas as vezes no dia 31, toda vez na praça do Triunfo, às 18h, para que as pessoas saibam para onde ir.

Alguma vez a prefeitura de Moscou permitiu essa reunião?

Nunca permitiram, na realidade.

E te prenderam?

Sou preso todas as vezes praticamente nesses três anos. Eu não contei quantas vezes, mas já foram umas 20, com certeza.

Como você lida com isso?

Para mim tanto faz, na verdade. É uma guerra. Só não matam, em vez disso, prendem.

Num país onde se cumpre uma pena e não se é solto, ou em que assassinatos e espancamentos a jornalistas permanecem sem investigação adequada, não dá medo ser oposição?

Vocês também não têm um país ideal, por isso eu não considero assim. É nossa infelicidade esse governo Putin, é nosso desgosto, é nossa desgraça. Então a gente tenta tirá-los do poder. Matam as pessoas constantemente. A liberdade é uma coisa cara, por ela sempre se pagou muito caro, por vezes a vida.

Onde está o maior problema nas eleições russas?

Assim como outros oito partidos da oposição, o Ministério da Justiça sequer nos registrou.

Depois de apresentar os documentos para o registro como candidato presidencial, ainda tem outra etapa. Se aprovados, é preciso reunir 2 milhões de assinaturas até 18 de janeiro.

É uma tarefa impossível, o governo premeditadamente coloca candidatos independentes em situações desse gênero, em que não se pode reunir tal quantia de assinaturas de maneira honesta. Mas ainda com as assinaturas reunidas, o governo geralmente afirma que aquilo não é autêntico, e dessa maneira detêm o candidato durante seu caminho para a participação nas eleições.

Por que o senhor não se uniu com os organizadores das manifestações na praça Bolôtnaia?

Os líderes desses partidos burgueses cometeram um grande erro, ou até um crime. Eles desviaram no dia 10 de dezembro milhares de pessoas para a Praça Bolôtnaia, para uma manifestação autorizada, retirando as pessoas do centro da cidade. Por que o governo concordou com isso? Porque a Praça da Revolução, para onde inicialmente foi designado o protesto, fica a poucas centenas de metros do Comitê Eleitoral Central, da Duma de Estado, nosso parlamento, a uns 150 metros do Kremlin.

Yana Lapikova-5.dez.2011/Associated Press
O primeiro-ministro Vladimir Putin
O primeiro-ministro Vladimir Putin

De lá se podia caminhar 200 metros e aparecer na porta da Duma, de onde todas as exigências soariam de maneira completamente diferente. Ou seja, esse local tem importância geográfica. Mas os tontos, ou traidores, desviaram a ideia para longe, além do rio [Moscou], num lugar desconfortável e longe do centro da cidade. Apesar de estar a apenas alguns quilômetros, aquele é um lugar isolado, numa bifurcação do rio Moscou, quase uma ilha.

E foi por isso que o governo permitiu ao Boris Nemtsov levar as pessoas para lá, era lucro. Assim, o protesto do dia 10 não alcançou seus objetivos. Leram a resolução e se dispersaram, foram para casa, justo quando era preciso ir ao prédio da Comissão Eleitoral Central, ou do parlamento, e exigir o cumprimento imediato de nossas demandas, ou seja, a anulação das eleições do dia 4 de dezembro, anúncio de novas eleições livres...

Por isso já não tem nada em comum entre os líderes da burguesia e mim. Nós restamos em absoluta minoria na Praça da Revolução, a gente era meia dúzia, simplesmente. Mas isso não significa que eles estejam certos e nós não. Eles mataram a possibilidade de revolução nesse dia. Eles não tem firmeza, não são corajosos.

O que falta na sua opinião?

Era preciso ir ao prédio da Comissão Eleitoral Central, na travessa Bolshói Tcherkásski, bater na porta e exigir a imediata mudança das eleições. Com 50 mil pessoas atrás, isso teria uma grande força.

O que o senhor faria como presidente?

É muito difícil premeditar essa situação. Se fosse eleito a primeira coisa que eu faria seria mudar o efetivo do Supremo Tribunal, do Tribunal Constitucional, para que os cidadãos tivessem possibilidade de se endereçar a esses tribunais, para que após as eleições, como agora, fosse possível se dirigir ao Supremo Tribunal e esse decidisse mudar as eleições. No momento não temos isso, o Supremo Tribunal e o Tribunal Constitucional estão sob total controle do governo.

Como o senhor considera o crescimento atual de movimentos ultranacionalistas no país?

Os nacionalistas existem em todo país. Vocês também têm nacionalistas. Ou não? Em todo lugar tem. Eu lido com isso como lido com a existência de liberais, de comunistas, e também de nacionalistas. Eles têm direito de existir.

Como é sua relação com novas figuras políticas como o blogueiro oposicionista Aleksêi Naválni?

Ele é uma personalidade. Eu não o vejo como político. Eu não vejo que político ele é, e onde ele é político. Para mim ele não faz parte de alguma organização política, ele está sozinho, então como poderia ele ser político? Político não pode ser sozinho, ou ele é chefe de uma organização política, ou um membro influente de uma organização política. Uma pessoa sozinha é uma pessoa sozinha. Ele por enquanto se apresenta como um último guerreiro.

Pode-se comparar o que está acontecendo hoje na Rússia com que os países árabes passam agora?

Não só nos países árabes, já que isso começou na Europa há muito tempo, teve a revolução laranja na Ucrânia há uns 7 anos, houve revoluções na Geórgia, até no Quirguistão, na Moldávia, em todo lugar.

Qual sua opinião sobre a política externa russa em relação aos países da primavera árabe, como a Síria?

No Egito e na Tunísia foram verdadeiras revoluções populares que tomaram lugar. Na Líbia o que houve foi um golpe de Estado, uma insurreição organizada por países ocidentais, e na Síria também. Por trás desses conflitos está o Ocidente, que há muito tempo queria trocar o Bashar Assad, como também queria trocar o Gaddafi. É a aniquilação dos últimos regimes socialistas no mundo árabe, porque na Síria lidera o partido Baaz, que é socialista, e o Gaddafi também era socialista.

Mas acontece que lá se vive sob completa ditadura...

Isso é conversa fiada. São costumes dos regimes do Oriente Médio. Lá o governo sempre foi um pouco diferente. Não se pode esperar que o lugar se transforme em uma Itália, isso não vai acontecer. É um regime correspondente a determinadas tradições desses países. Eles nunca viveram como a Europa, nunca serão a Holanda, nunca se tornarão uma Dinamarca. São outros países, têm sua próprias particularidades e, assim como a China, nunca viverão como a Europa vive.

Então a Rússia também não?

E a Rússia também não, claramente, apesar de em menor nível de diferença.

Como você considera a queda da União Soviética?

É uma tragédia, claro. A queda de qualquer grande Estado sempre é uma tragédia, como a queda do Império Britânico também foi uma tragédia para os britânicos. Isso é normal. Não é nada bom.

 

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