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06/06/2012 - 20h36

Um caminho solitário

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QUENTIN PEEL
DO "FINANCIAL TIMES"

O momento é difícil para a mais poderosa líder política da Europa. Com a crise da zona do euro chegando ao ponto de ebulição, a chanceler [primeira-ministra] alemã Angela Merkel parece estar perdendo amigos e influência em seu país e no exterior.

Na conferência de cúpula do Grupo dos 8 (G8) organizada pelo presidente Barack Obama em Camp David, no mês passado, e de novo na conferência de cúpula informal que a União Europeia conduziu em Bruxelas duas semanas atrás, a mulher que vinha dominando o debate sobre o futuro do euro parecia uma figura muito isolada.

"Merkel isolada", as manchetes proclamaram. As fotos sugeriam a mesma coisa. Nos preparativos para a sessão de fotos do G8, Obama dedicou muito mais atenção a François Hollande, o novo presidente francês, posicionado à sua direita, do que a Merkel, sua antiga aliada no combate à crise financeira mundial, que estava à sua esquerda.

Embora a química entre eles nunca tenha sido das melhores, a chanceler sente falta de Nicolas Sarkozy, o ex-presidente francês. No calor da crise da zona do euro, a parceria entre eles era referida como "Merkozy", ainda que na verdade o domínio coubesse à líder alemã.

'MODUS VIVENDI'

Enquanto se esgota o prazo que resta para colocar em ordem os mercados financeiros europeus, Merkel precisa encontrar um modus vivendi com Hollande. Os dois são pragmáticos, mas ele é socialista e ela uma democrata-cristã de centro-direita.

O líder francês quer estimular o crescimento econômico e a líder alemã insiste em que é preciso primeiro reduzir a captação dos governos nacionais. O sentimento em Berlim é de que os dois trabalharão bem juntos -mas talvez seja preciso tempo para que isso aconteça.

Em seu país, a chanceler está lutando para reanimar seu fracionado governo de coalizão, depois de uma grave derrota política um mês atrás no maior dos Estados alemães, a Renânia do Norte-Vestfália.

Ela demitiu o homem visto como responsável pela derrota --Norbert Rötthen, um aliado próximo que servia como Ministro do Meio Ambiente e líder estadual do partido. Mas a União Democrata-Cristã (CDU), de Merkel, perdeu ponto preciosos nas pesquisas de opinião.

QUESTIONADA

No exato momento em que precisa de todo apoio que puder para estabilizar o euro e resgatar os endividados parceiros alemães no sul da Europa, a reputação de Merkel como uma líder inabalável e de visão muito clara está sendo questionada.

Cautelosa e avessa a riscos, ela parece estar se protegendo constantemente contra a ameaça de uma reação de aversão ao euro em seu país, que até agora não se materializou.

Isso causa terror aos parceiros da Alemanha, já que embora os instintos dela possam ser os certos -"fazer qualquer coisa para salvar o euro"-, ela vem repetidamente agindo tarde demais para impedir que o contágio se espalhe pela zona do euro, deixando as decisões para o último momento.

"O mito da gestão sacrossanta de crises por Merkel parece enfim estar sendo derrubado", diz o professor Henrik Enderlein, da Escola Hertie de Administração Pública, em Berlim, que é assessor do Partido Social-Democrata (SPD), de oposição.

Ele considera que a chanceler terá de enfrentar uma escolha fundamental. Ou encontrará sucesso ao negociar "um grande salto para a integração europeia", a fim de salvar o euro, ou manterá sua abordagem "passo a passo", negociando regras novas e severas de disciplina fiscal antes de oferecer quaisquer garantias financeiras aos parceiros.

UNIÃO FISCAL

A primeira estratégia requer persuadir os eleitores e líderes relutantes da União Europeia --entre os quais Hollande-- a criar uma completa "união fiscal" para a zona do euro. A segunda, segundo Enderlein, "acarreta o sério risco de demolir o euro".

Merkel já foi vista como derrotada, antes. Uma das lições políticas que aprendeu com Helmut Kohl, antigo chanceler que serve como seu mentor, envolve a vantagem de ser "constantemente subestimada".

Ela também aprendeu a ser paciente e a esperar pelo resultado de todos os debates políticos, prevendo que os participantes venham a chegar a um compromisso. Na zona do euro, porém, ela admite que existe um choque entre a perspectiva de curto prazo dos mercados financeiros e o ritmo lento do processo político de decisão.

Enquanto o resto da Europa aguarda temeroso o resultado da eleição grega de 17 de junho, que determinará se os eleitores rejeitarão o plano de resgate aceito pelo governo anterior, a Espanha foi contagiada pela incerteza, com os spreads de juros de seus títulos públicos atingindo novos recordes.

George Soros, o investidor de fundos de hedge, acredita que restem apenas três meses para salvar o euro. Joshchka Fischer, antigo ministro do Exterior alemão e apaixonado defensor da causa da integração europeia, considera que "estamos bem perto de uma dissolução".

Mas nas últimas semanas o governo alemão vem mantendo completo silêncio. "Não creio que seja boa ideia partir para a especulação quando existe uma situação difícil nos mercados financeiros e na Grécia", disse Wolfgang Schäuble, o poderoso ministro das Finanças de Merkel, em entrevista a um jornal esta semana. "A Grécia precisa decidir sozinha". Quanto a Madri, ele disse que "os espanhóis estão fazendo o certo".

CRISE

Assim, enquanto os investidores procuram garantias de que a Alemanha e seus parceiros contam com um plano para administrar a crise, Schäuble e Merkel --as personalidades mais poderosas do governo e da coalizão democrata-cristã-- se sentem mais confortáveis ao discutir soluções de médio prazo.

"A estratégia deles por muito tempo foi concentrar suas atenções na reforma estrutural e no médio prazo, e depender do Banco Central Europeu para corrigir os problemas de curto prazo", disse Clemens Fuest, do centro de tributação empresarial da Universidade de Oxford, que serve como consultor para o Ministério das Finanças alemão.

Ele diz que as autoridades estão tentando, deliberada mas equivocadamente, evitar o debate sobre questões que são politicamente difíceis na Alemanha, tais como a introdução de títulos conjuntos da zona do euro, com garantia coletiva. A ideia parece fadada ao fracasso.

"Merkel agora está em uma posição muito fraca e muito difícil", diz. "As pessoas a veem como a mulher forte da Europa. Até o momento, a estratégia vinha sendo implementar o maior número possível de controles [antes de assumir compromissos de resgate]. Mas os alemães ainda terão de concordar em pagar o que for necessário para evitar uma dissolução".

PACTO FISCAL

O pacto fiscal inspirado pela Alemanha, que requer que severa disciplina orçamentária se torne parte da constituição de todos os países integrados à zona do euro, é parte dessa estratégia.

Negociado com extraordinária rapidez em dezembro e janeiro, ele agora aguarda ratificação em 25 dos 27 países da União Europeia. Aos olhos dos alemães, introduzir a disciplina orçamentária como legislação primária em todos os países é um passo essencial, o primeiro na direção de uma "união fiscal".

Nos seis meses transcorridos desde o acordo, Merkel desenvolveu uma estratégia dupla para levar adiante essa união, combinando reformas estruturais de estímulo ao crescimento -sem medidas de estímulo financiadas por dívida- e outras medidas mais fundamentais de reforma que deitariam as fundações para uma união fiscal que complementaria a união monetária da zona do euro.

Os dois elementos serão apresentados aos líderes da União Europeia em sua conferência de cúpula do final de junho. No jantar realizado em Bruxelas no mês passado, o presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy; o presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi; e Jean-Claude Juncket, presidente do conselho de ministros das Finanças da zona do euro, foram instruídos a desenvolver propostas.

UNIÃO BANCÁRIA

Tendo em vista a urgência da crise espanhola, é provável que estas incluam planos para uma "união bancária" que combinaria fiscalização europeia de instituições que operem transnacionalmente a um fundo europeu que ofereceria garantias aos depósitos. Mas Merkel insiste em que isso só será realizado em médio prazo.

Schäuble diz que o cronograma se aplica à introdução de títulos da zona do euro garantidos coletivamente. Estes não poderiam ser introduzidos sem uma verdadeira "união fiscal", diz, ainda que não descarte de todo a possibilidade.

Na Alemanha, esses títulos -que contam com apoio de uma clara maioria entre os líderes da zona do euro- se tornaram a questão central no debate quanto ao euro. Pesquisas de opinião sugerem que 80% dos eleitores se opõem à ideia.

"É evidente que Merkel venceu o debate interno quanto aos títulos europeus", diz Enderlein. "Ela os pintou como obra do diabo. Mas a realidade é que ninguém os compreende".

"Sabemos que o debate sobre o euro é extremamente complexo. O papel da chanceler é moldar a opinião pública alemã. Ela em geral começa com políticas que sinalizam acima de tudo uma postura nacionalista -por exemplo, ao dizer que não haveria dinheiro para Grécia-, mas no último minuto sempre acaba agindo em favor da causa europeia. Essa pode ser uma estratégia funcional para enfrentar a crise, mas com isso ela perde o apoio da opinião pública", diz ele.

OPINIÃO PÚBLICA

Mas a realidade política subjacente, na Alemanha e no resto da Europa, é que a chanceler está mais sintonizada com a opinião pública do que é o caso para a maior parte de seus críticos. A mais recente pesquisa da Pew Global Attitudes, no mês passado, demonstrou que ela é a mais respeitada líder europeia em todos os países exceto a Grécia. O mesmo vale em seu país.

De acordo com o Pew, 80% dos alemães acreditam que Merkel tenha trabalhado bem na gestão da economia.

O eleitorado alemão também continua mais favorável à união com a Europa do que o de qualquer outro entre os grandes países membros, com 59% dos entrevistados afirmando que o país "foi bem servido pela integração europeia", de acordo com a pesquisa, e 65% afirmando que participar da União Europeia beneficia o país, apesar da crise do euro.

Ainda que seu partido tenha caído em cerca de dois pontos percentuais nas pesquisas desde sua derrota na Renânia, Merkel escapou incólume, de acordo com Joachim Koschnicke, do instituto de pesquisa Forsa. "Os eleitores já deixaram para trás o resultado da eleição renana", ele diz. "Demitir Röttgen na verdade reforçou a posição de Merkel".

COALIZÃO

As pesquisas de sua organização sugerem que os eleitores confiam menos no SPD do que na CDU, para enfrentar a crise. Caso houvesse uma eleição geral amanhã (ela não deve acontecer antes do segundo semestre de 2013), o partido de Merkel obteria 33% dos botos, ante 27% para o SPD. Os dois provavelmente teriam de formar uma grande coalizão de centro-esquerda e centro-direita a fim de obter maioria parlamentar.

O professor Andreas Busch, da Universidade de Göttingen, acredita que esse possa ser o objetivo de Merkel. "Ela provavelmente daria tudo que tem para voltar a uma grande coalizão", afirma.

O governo de centro-direita formado por três partidos sofre com inúmeras disputas sobre questões tributárias e sociais. "Dado o funcionamento nada redondo da coalizão atual, uma coalizão mais ampla provavelmente não falharia".

Uma combinação entre CDU e SPD formaria um governo muito favorável à integração europeia, com probabilidade muito maior do que a atual coalizão de aceitar títulos coletivos para a zona do euro -e isso poderia servir bem a Merkel. Mas é improvável que a crise se acomode ao calendário político alemão, e a chanceler talvez tenha de decidir muito antes da data de uma nova eleição.

"Estou seguro de que ela fará o certo para salvar o euro", disse um importante político europeu na semana passada. "Mas talvez só o faça na beira do abismo, e aí pode ser tarde demais para o resto de nós".

PARTIDOS EMERGENTES

Na sua próxima eleição geral, a Alemanha talvez tenha sua primeira oportunidade em décadas de votar em um partido conservador e avesso à União Europeia, o que complicaria ainda mais um processo político já complexo.

O Freie Wehler --Eleitores Livres, ou FW-- anunciou planos de disputar a eleição do ano que vem tanto no plano federal quanto no Estado da Baviera. Caso conquiste apoio, pode forçar Angela Merkel a assumir posição muito mais nacionalista quanto às questões europeias.

O FW, que conquistou mais de 120% dos votos e 20 assentos no Legislativo na eleição estadual bávara de 2008, vem se aproximando de Hans-Olaf Henkel, um dos mais firmes críticos do euro e antigo presidente da associação da indústria alemã, e quer que ele represente o partido no Legislativo. Henkel defende a divisão do euro em duas partes --uma "moeda forte" ao norte, centrada na Alemanha, e uma "moeda fraca" ao sul, centrada na França.

Ainda que a base da organização esteja na Baviera, onde a União Social Cristã, partido irmão da CDU de Merkel, lidera entre os partidos conservadores, conquistou assentos em legislativos municipais de todo o país.

"Eles têm boa chance de manter sua presença no Legislativo bávaro", disse Joachim Koshnicke, do instituto de pesquisa Forsa. Mas no plano federal, "terão muito mais dificuldade para estabelecer posição".

PIRATAS

O outro elemento imprevisível em uma eleição será o Partido Pirata, que está em campanha contra a censura da Internet e conquistou votação forte em eleições estaduais recentes, com 8,9% em Berlim no ano passado e 7,8% na Renânia do Norte-Vestfália no mês passado.

Os piratas atraem o eleitorado de protesto, não importa de que ala do espectro político, de acordo com os pesquisadores, e têm forte apoio entre os alemães jovens que votarão pela primeira vez.

Com isso, dificulta a formação de coalizões estáveis pelos partidos mais tradicionais. O Partido Pirata diz que não participará de qualquer governo, e os partidos estabelecidos não parecem confiar nele como parceiro.

A mais recente pesquisa da Forsa para a revista "Stern" atribui 33% dos votos à CDU, 27% ao SPD, 14% ao Partido Verde, 11% aos piratas e apenas 4% aos Democratas Livres, um partido de centro, o que significa que a única coalizão possível entre dois partidos para garantir maioria no Legislativo teria de envolver os dois grandes rivais, SPD e CDU.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

 

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