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Protestos no Sudão ensaiam Primavera Árabe
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DE SÃO PAULO
JEFFREY GETTLEMAN
DO "NEW YORK TIMES", EM NAIRÓBI
Eles chamam isso de "lamber o próprio cotovelo" -ou seja, realizar algo impossível.
Nas últimas semanas, nas ruas lotadas da capital, Cartum, até a pacata Atbara, centenas ou até milhares de manifestantes sudaneses vêm enfrentando cassetetes da polícia e gás lacrimogêneo para expressar seu repúdio ao governo.
Os cartazes pedem "Abaixo o Governo Militar", e os manifestantes gritam, "Não, não aos preços altos", desencadeando dura repressão dos policiais da tropa de choque, que espancam manifestantes e atiram gás lacrimogêneo.
Tudo isso leva à pergunta: a Primavera Árabe está chegando ao Sudão?
Muitos dos elementos dela estão presentes: um regime repressivo e autocrático que está no poder há 23 anos, uma grave crise econômica, insurreição fortemente armada em vários pontos do país e um movimento de protesto intenso que não se limita a estudantes, mas é composto também por comerciantes e donas de casa.
Somado está a história regional recente. No Egito ao norte, e na Líbia, a noroeste, as revoltas populares (com ataques aéreos da Otan, no caso da Líbia) derrubaram ditadores. Além disso, o Sudão tem um histórico de revoltas populares que provocaram a queda de governos.
Mas muitos especialistas no Sudão não acreditam que o governo sudanês -liderado pelo presidente Omar Bashir, que tomou o poder num golpe militar em 1989- esteja prestes a cair.
Andrew S. Natsios, ex-enviado especial dos EUA ao Sudão e autor de um livro sobre o país, acha que, embora seu dinheiro esteja se esgotando, levantando a perspectiva de um motim militar, Bashir tem um plano cruel para se conservar no poder.
Segundo ele, Bashir teria montado uma força especial de até 30 mil soldados, vindos de sua própria tribo árabe, com quartéis subterrâneos e arsenais ocultos. Essa força seria a última linha de defesa do regime.
Natsios acha que são grandes as chances de que, se enfrentadas, as forças de Bashir tornem o Sudão ingovernável, abrindo caminho para a tomada do poder por militantes islâmicos. "Não sou otimista em relação ao rumo que o Sudão está seguindo agora, quer o PCN caia ou não", disse ele, aludindo ao Partido do Congresso Nacional, de Bashir.
E. J. Hogendoorn, diretor de projetos para o Chifre da África no International Crisis Group, organização sediada em Bruxelas que estuda conflitos, disse que, embora a pressão revolucionária venha crescendo, ainda faltam peças cruciais. "Diferentemente do Egito, os sudaneses não contam com um partido político organizado e disciplinado, como a Irmandade Muçulmana, que pudesse formar o núcleo do movimento de protesto", disse ele.
John O. Voll, professor da Universidade Georgetown (em Washington) e especialista no Sudão, disse que até agora os militares vêm se negando a tomar o partido dos manifestantes, algo que foi um fator decisivo nas mudanças de regime ocorridas em 1964 e 1985.
Os manifestantes admitem que seu movimento é um tanto quanto improvisado. "Os protestos não são organizados", disse uma jovem chamada Mona, que não quis dar seu nome completo por medo de ser detida. "Este é o povo do Sudão que ficou farto do sistema."
Ela acrescentou: "Eu sou sudanesa e tenho orgulho de minha nacionalidade. Sei que meu país é rico em recursos naturais. Mereço uma vida boa."
No ano passado, estudantes em Cartum usaram as mídias sociais para catalisar protestos pontuais que foram rapidamente reprimidos. Mas algumas semanas atrás os estudantes se revoltaram novamente e os protestos chegaram até bairros de classe média.
Em seguida, houve o que os manifestantes chamaram de Sexta-Feira da Tempestade de Areia, em 22 de junho, e a Sexta-Feira de Lamber o Cotovelo, em 29 de junho. Como a sexta-feira é o dia de orações, é o melhor momento para mobilizar as pessoas.
Os protestos estariam sendo motivados pelas dificuldades econômicas do país. Em meados de junho, o governo anunciou que não tinha mais condições de subsidiar o gás. Com isso, os preços dos combustíveis subiram 60%, encarecendo tudo.
Desde que o novo país do Sudão do Sul, (que se separou do Sudão um ano atrás) fechou a produção de petróleo, no início do ano, os dois países vivem num impasse perigoso. A maior parte do petróleo está no sul, mas o oleoduto passa pelo Sudão, no norte. As duas partes ainda não tem um acordo para a partilha dos lucros do petróleo.
Enquanto isso, o governo de Bashir tentou abrandar as críticas externas. Anunciou que será permitida a passagem de ajuda humanitária para as Montanhas de Nuba, uma área sob controle dos rebeldes e onde milhares de pessoas passam fome.
Grupos humanitários dizem que Bashir fez o anúncio, intencionalmente, justamente quando a estação de chuvas tinha começado e as estradas estão intransitáveis, o que significa que pouca ajuda humanitária chegará à região.
Então, em 3 de julho, um tribunal sudanês arquivou todas as acusações contra uma mulher acusada de adultério e sentenciada à morte por apedrejamento. O caso vinha suscitando ultraje internacional.
Moyasser, um jovem de 24 anos que diz protestar por "liberdades", afirma que Bashir -que foi indiciado por genocídio pela Corte Penal Internacional, em função dos massacres em Darfur- não tem "uma visão clara para comandar o país".
Uma coisa está clara: os manifestantes sudaneses vão voltar às ruas e vão levar adiante sua luta para conseguir lamber os próprios cotovelos.
Colaborou ISMAIL KUSHKUSH, de Cartum
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