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09/08/2012 - 11h34

Na China, líderes civis se preocupam com influência dos militares

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EDWARD WONG
JONATHAN ANSFIELD
DO "NEW YORK TIMES", EM PEQUIM

Durante um banquete realizado para a liderança militar chinesa no início deste ano, um general poderoso e embriagado criticou furiosamente o que acreditou ser uma iniciativa escusa para impedir que ele fosse promovido para o alto comando militar.

De acordo com quatro pessoas informadas sobre o evento, o general, Zhang Qinsheng, despejou sua raiva diante do presidente, Hu Jintao. No banquete, ele chegou a dar um empurrão num general comandante que fazia brindes; Hu deixou o local, irritado.

A diatribe do general foi um entre vários fatos ocorridos este ano que vêm suscitando receios entre líderes do Partido Comunista em torno do nível de controle que exercem sobre os oficiais militares, que andam se manifestando mais abertamente e desejam mais influência sobre a política e a vida pública.

Faltando poucos meses para a transição da liderança chinesa, que ocorre uma vez por década, o partido está reagindo com uma campanha de alta visibilidade contra a deslealdade e a corrupção, chegando a exigir que todos os oficiais militares informem seus bens financeiros.

"As autoridades do Partido entenderam que os militares estão invadindo a seara dos assuntos políticos", comentou um cientista político que tem vínculos no alto escalão do PC.

"Embora o Partido controle os militares, a expressão de opiniões de militares sobre questões políticas suscitou alto nível de receios."

Como outros que concordaram em comentar questões internas do Partido, ele exigiu anonimato para falar, por temer represálias.

Alguns generais e almirantes vêm lançando chamados veementes para que o governo afirme seu controle sobre o mar do Sul da China, foco de disputas territoriais cada vez mais rancorosas entre vários países do sudeste asiático e a China, onde o ânimo nacionalista está em alta entre o público e os políticos.

E, alguns meses atrás, líderes em Pequim ficaram alarmados com os vínculos existentes entre generais e o Bo Xilai, o membro do Politburo que caiu em desgraça.

A necessidade do Partido de manter o controle estável do setor militar cada vez mais interessado em elevar sua voz é uma razão pela qual Hu, o mais alto líder civil do Partido, deve conservar seu cargo de presidente da Comissão Militar Central por até dois anos depois de abrir mão de seu título de chefe do Partido, no outono, revelaram pessoas informadas sobre as discussões políticas.

Seu sucessor previsto, Xi Jinping, ainda deve assumir os cargos de chefe do Partido e chefe de Estado, mas terá que aguardar antes de tornar-se o chefe militar da China.

Os dois predecessores de Hu exerceram o controle sobre os militares depois de terem aberto mãos de seus outros títulos civis.

Mas alguns membros do Partido argumentam que uma transição do poder realizada em partes pode levar ao surgimento de centros rivais de poder, dividindo as lealdades dos generais.

Ainda não foi tomada uma decisão final sobre a permanência ou não de Hu. Mas, se ele permanecer, é possível que Xi se veja com espaço limitado para ampliar sua base de poder, apesar de ele ter um passado militar maior que o de Hu.

Hu vem construindo uma rede leal a ele no exército, promovendo generais em ondas.

Desde setembro de 2004, quando se tornou chefe da comissão militar, Hu já promoveu pelo menos 45 oficiais ao generalato pleno. Um pouco mais da metade das promoções foi feita desde julho de 2010.

Hoje, quatro desses 45 estão entre os dez generais que fazem parte da Comissão.

Um oficial que subiu rapidamente de escalão com o apoio de Hu foi Zhang, que pode ainda ser candidato a uma cadeira na comissão, não obstante sua diatribe feita sob o efeito do álcool.

Quando o predecessor de Hu, Jiang Zemin, conservou seu posto militar entre 2002 e 2004, surgiram inimizades faccionais em torno de muitas questões. O mesmo pode acontecer com Hu e Xi, que em 2010 foi promovido à vice-presidência da comissão militar. Jiang cedeu seu cargo a Hu apenas depois de os conflitos entre eles dois terem se intensificado.

"Nas forças armadas o que se diz é o seguinte: quem me promove é meu papai", disse um membro da elite do Partido Comunista que tem encontros regulares com generais.

Analistas dizem que divisões como essas não precisam ser debilitantes, em se tratando de um establishment militar cada vez mais profissional.

"Eles preferem trabalhar essas diferenças num processo construtor de consensos", comentou Dennis J. Blasko, oficial aposentado de inteligência do exército dos EUA e ex-adido militar da embaixada americana em Pequim. "Vejo a liderança do ELP como sendo racional, pragmática e realista", ele acrescentou, aludindo ao Exército de Libertação do Povo.

Mesmo assim, algumas conversas com oficiais militares sugerem que alguns deles sentem uma afinidade com o próximo líder, Xi Jinping, que não sentem com Hu Jintao, filho de um comerciante de chá que, na sombra de Jiang Zemin, se esforçou para conquistar respeito.

Xi, 59 anos, é um "pequeno príncipe", filho de um reverenciado líder guerrilheiro comunista, e cresceu em Pequim lado a lado com famílias militares. Ele está chegando à liderança dispondo de relacionamentos militares mais estreitos que qualquer líder chinês desde Deng Xiaoping.

"Quando os membros da 'segunda geração vermelha' chegarem ao poder, haverá um sentimento pessoal, um vínculo tradicional", disse um oficial militar sênior.

O primeiro cargo de Xi foi como assessor de Geng Biao, camarada guerrilheiro de seu pai que se tornou ministro da Defesa da China em 1981.

Mais tarde, Xi ocupou cargos de comando político de unidades militares enquanto era líder civil nas províncias de Fujian e Zhejiang, situadas em frente a Taiwan, que a China ainda vê como fazendo parte de seu território. E Xi é casado com Peng Liyuan, célebre cantora de uma trupe que faz performances para o exército; ela está num escalão equivalente ao de general de divisão.

Antes mesmo de assumir seu posto na comissão militar, Xi participava de reuniões informais ocasionais em Pequim com vários generais, incluindo os destacados "pequenos príncipes" Liu Yuan e Liu Yazhou. A informação é de Li Mingjiang, especialista em política chinesa, hoje residente em Cingapura.

Quando o assunto é ideologia, Xi é um mistério.

Mas a ascensão da China vem sendo acompanhada de uma assertividade chinesa crescente na região, e Xi se sentirá pressionado a seguir nesse rumo. Ele será "mais intransigente na proteção dos interesses da China", opinou Li.

"O fato de ter algum passado militar lhe confere mais confiança na tomada de decisões."

Há sinais de que alguns generais acreditem que Xi lhes dá ouvidos. No ano passado o general Liu Yazhou, comissário político da Universidade de Defesa Nacional, enviou a Cingapura um general de divisão conhecido por seu ânimo belicoso, Zhu Chenghu, para comandar um estudo sobre o sistema autoritário flexível dessa nação minúscula.

Segundo um acadêmico que se reuniu com o grupo, Liu, que Hu promoveu a general pleno em 30 de julho, planejou apresentar o estudo a Xi para fundamentar argumentos em favor de um sistema unipartidário mais liberal, como meio de fortalecer o Estado.

Liu Yuan (nenhum parentesco com Liu Yazhou), outra figura poderosa na rede de generais "pequenos príncipes" de Xi, é filho de Liu Shaoqi, que foi escolhido por Mao para assumir o posto de líder supremo, antes de ser expurgado e deixado para morrer na prisão.

Em um ensaio publicado em 2002, Xi recordou sua amizade com Liu Yuan quando ambos foram nomeados para cargos civis em nível de condado, em 1982. "Concordávamos antes mesmo de conversar", escreveu Xi. "Ambos queríamos seguir o caminho da integração com os operários e camponeses."

Apesar de sua posição favorecida, Liu Yuan foi pressionado por autoridades partidárias este ano devido a seus vínculos com Bo Xilai. De fato, o caso de Bo colocou as autoridades civis em alerta intensificado para identificar tais vínculos de conluio.

Quando o escândalo começou, em fevereiro, Bo deixou alguns líderes do Partido alarmados ao viajar até a província de Yunnan para visitar o quartel-general do 14º Grupo do Exército, a unidade no passado comandada por seu pai.

Alguns dizem que o escândalo prejudicou as perspectivas de promoção de Liu Yuan. Mas sua popularidade foi evidenciada em abril, quando ele foi muito bem cotado numa sondagem feita entre oficiais seniores, segundo revelou um intelectual partidário próximo a ele.

Para proteger sua carreira, o general se distanciou de Bo e deu uma declaração de apoio a Hu, que antes disso o havia promovido a general pleno.

De acordo com analistas, essa foi uma das muitas maneiras em que Hu Jintao vem buscando controlar oficiais oriundos de famílias da elite, e isso poderá ajudá-lo a estender sua influência, mesmo quando estiver aposentado.

Tradução de CLARA ALLAIN

 

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