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01/10/2012 - 08h02

Opinião: O culto a Hugo Chávez acabou

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FRANCISCO TORO
DO "GUARDIAN"

À medida que os venezuelanos se preparam para ir às urnas para a mais disputada eleição presidencial dos últimos 14 anos, uma pergunta toma a frente das mentes de todos: Hugo Chávez ainda pode? Por "poder", falo de sua lendária, intensa e emotiva conexão com os pobres -um tipo de apego que tem, para muitos, a sensação de um fervor religioso. Ou de fé.

"Chávez é o único que já se importou mesmo com os pobres", você ouve os simpatizantes dele dizendo repetidamente, com um sentimento real, e agora mais do que nunca, porque são o centro do eleitorado.

Chávez: Coração da Pátria, o slogan que aparece em todos os lugares, até nas garrafas d'água distribuídas para manter seus partidários hidratados, nos comícios.

Mas, 14 anos depois, mesmo os maiores apoiadores admitem, o experimento do "socialismo do século 21" de Chávez não está funcionando. Depois da caótica nacionalização da maioria da cadeia agro-industrial, desde as fazendas até os supermercados, a falta de alimentos se tornou crônica, com vários artigos desaparecendo das prateleiras. Filas em lojas subsidiadas pelo governo são longas, e os produtos escassos se esgotam quase no mesmo segundo em que são entregues.

Em uma análise mais minuciosa, a única coisa do "socialismo do século 21" de Chávez que parece ser do século 21 é sua conta no Twitter.

A economia ainda é guiada pelas mesmas rígidas linhas que minaram as economias do bloco oriental durante grande parte do século 20. Uma depois da outra, indústrias tem sido nacionalizadas apenas para se tornarem exagerados ralos de dinheiro, incapazes de produzir o necessário. As de ferro e cimento não podem produzir o suficiente para atender as necessidades da construção; instalações elétricas têm causado blecautes em todo o país, e a companhia telefônica não conseguiu prover acesso adequado à internet.

Os venezuelanos gostam de brincar que Julian Assange desistiu de pedir asilo político à Venezuela apenas porque a internet lá é muito lenta.

O motivo pelo qual a economia venezuelana não ameaça parar, como a zimbabuana, apesar do desperdício, da corrupção e da má condução do incompetente planejamento central, pode ser resumida em uma palavra: petróleo. Sentada sobre as maiores reservas do mundo em uma época de preços extraordinariamente altos, o governo permanece flutuando sobre uma enxurrada de petrodólares que mais ou menos cobre as falhas.

A riqueza do petróleo é um elixir mágico que mantém a aparência de normalidade, mesmo quando o país se entra mais e mais em um atoleiro econômico.

Em muitos sentidos, o quase místico laço com os pobres é o mais importante trunfo financiado pelo petróleo. Chávez tem sido cuidadoso em manter as torneiras abertas, dirigindo a seus apoiadores um fluxo constante de doações populistas.

Um acordo de petróleo-por-máquinas com a China, por exemplo, permitiu que a Venezuela impostasse mais de 3 milhões de fogões, geladeiras, máquinas de lavar roupa, ar-condicionais e TVs de tela plana fabricados na China. Tudo foi entregue diretamente pelos partidários do governo como parte do "Minha Bem-Equipada Casa", um programa social.

O princípio que guia a política social chavista é simples: as pessoas nunca podem ter a impressão de que devem ao Estado de bem-estar social o acesso a produtos financiados pelo petróleo. Toda a gratidão e a lealdade deve ser focada na pessoa de Chávez.

Foram necessários à oposição venezuelana 14 longos e dolorosos anos para decodificar o apelo de Chávez e formular uma alternativa atraente. Neste ano, a oposição finalmente se uniu e fez campanha para Henrique Capriles, um governador estadual jovem e energético que colocou o pragmatismo no centro da estratégia.

Capriles não pode competir com Chávez em carisma, e nem tenta. Mas, depois de 14 anos de crescente disfunção econômica, caos administrativo e dependência do petróleo, ele encontrou uma brecha para uma campanha sem nonsense, centrada na institucionalização dos avanços obtidos pela revolução ao mesmo tempo em que apaga seu legado de sectarismo político, rigidez ideológica e desgoverno.

Capriles sente que há na Venezuela sede de ir além das políticas divisoras do culto à personalidade de Chávez; que, cada vez mais, chavistas de ocasião veem o carisma do caudilho se desfalecer diante de uma massa de problemas mal resolvidos; que os venezuelanos torcem pelo governo minimamente competente que eles não têm há anos; e que eles estão prontos para arriscarem mudar.

Francisco Toro é um jornalista venezuelano, cientista político e blogueiro

 

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