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24/11/2012 - 06h02

Análise: História mostra que nacionalismo catalão é mais forte que escocês

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KEVIN MCKENNA
DO "GUARDIAN", EM BARCELONA E GLASGOW

Quando o Real Madrid saiu em vantagem por um a zero no Nou Camp, a torcida do Barcelona não pareceu decepcionada. Os torcedores pareciam distraídos. Então, quando o relógio do estádio chegou à marca do 17º minuto da partida, um tremor de antecipação varreu as arquibancadas e, 14 segundos mais tarde, 95 catalães se levantaram e começaram a bradar "in-inde-independência". Por diversos minutos, o jogo se tornou comício político: 17 minutos e 14 segundos, 1714, o ano em que as forças catalãs foram derrotadas pelo rei Felipe 5º da Espanha ao final do sítio de Barcelona, que caiu em 11 de setembro depois de resistir por 14 meses.

Para Alex Salmond, líder do Partido Nacional Escocês (SNP), momentos de nacionalismo comunal como esse devem causar uma mistura de admiração e frustração profunda. O que o primeiro-ministro escocês daria para dispor de algo que servisse de foco popular ao nacionalismo? Duas semanas atrás, o Celtic derrotou o Barcelona em uma partida da Champions League. Embora fosse possível distinguir algumas bandeiras escocesas nas arquibancadas, as cores dominantes eram verde, branco e laranja - as cores da bandeira irlandesa.

Angus Robertson, líder do SNP no Parlamento britânico, soa um pouco melancólico. "O histórico das causas nacionalistas na Escócia e na Catalunha é bastante diferente, especialmente dada a recente experiência catalã de viver sob uma ditadura fascista, na Espanha. Na Escócia, estamos envolvidos em um debate sobre um futuro melhor via independência. Não estamos protestando. Acho melhor ser cauteloso ao comparar os debates nos dois países, porque as circunstâncias são na realidade muito diferentes".

Enquanto o movimento pela independência catalã ganhou forte apoio, a campanha pela independência da Escócia perdeu o ímpeto. A aprovação à ideia nas pesquisas não ultrapassa os 30%. No entanto, embora o SNP saiba que não será capaz de mobilizar 1,5 milhão de pessoas para marchar pela independência escocesa - como aconteceu em Barcelona em 11 de setembro -, também sabe que os catalães adorariam ter o mesmo tipo de relação constitucional que existe entre a Escócia e o restante do Reino Unido. Foi isso que resultou em acordo quanto a um referendo sobre a independência.

Xavier Solano é um conhecido político nacionalista e diretor do escritório do governo catalão em Londres. Ele vê semelhanças entre a Catalunha e a Escócia mas também alerta contra exagerá-las: "Os dois países são velhas nações europeias com culturas e histórias distintivas, e ambos demonstraram desejo claro de autogoverno. Os dois movimentos de independência se baseiam na crença de que os cidadãos dos dois países estarão melhor caso independentes. Ambos desejam cooperar com os antigos governantes se a independência for obtida".

"Os governos britânico e escocês, ao assinarem o acordo de Edimburgo, demonstraram que as coisas podem ser realizadas de maneira democrática e civilizada. A Espanha e o restante do mundo deveriam aprender com isso", disse Solano.

Mas ele também aponta as profundas diferenças emocionais entre os dois movimentos: "O Reino Unido é uma das mais antigas e maduras democracias do planeta. Respeita as identidades nacionais de cada uma de suas quatro partes constituintes. A Espanha, por outro lado, puniu economicamente a Catalunha e a manteve oculta do mundo desde 1714. É hora de o mundo descobrir uma velha nação europeia que deseja decidir seu próprio futuro".

As perfídias de Albion podem ser muitas, aos olhos dos escoceses, mas nem se comparam ao que os catalães sentem com relação a Madri. Entre as duas guerras mundiais nas quais soldados ingleses e escoceses morreram combatendo lado a lado, houve uma guerra civil na Espanha que conduziu aos 40 anos de ditadura de Francisco Franco e à sujeição da Catalunha. A Escócia, ao contrário da Catalunha na era de Franco, jamais esteve sujeita a escravidão cultural.

David Low nasceu em Glasgow, de uma família de origem irlandesa que teve interesses de negócios e imóveis em Barcelona por 10 anos. Ele testemunhou uma mudança na identidade catalã, ao longo daquele período. "Os catalães desenvolveram um novo senso de identidade autônoma, e isso renovou sua confiança. A relativa riqueza da região ajuda nesse sentido. No entanto, não acredito que a independência da Catalunha esteja garantida, porque muitos não catalães com direito a voto vivem na região. Migraram para lá a fim de trabalhar, ao longo de gerações. Quando você computa os lobbies empresariais e os súditos leais da coroa, fica claro que ainda resta trabalho a fazer".

Ele diz que existe uma forte emoção construída sobre sentimentos de dor e perda que o nacionalismo escocês não tem como equiparar. "O idioma catalão é compulsório em todas as escolas públicas, e é um símbolo de independência desde que Franco proibiu seu uso, e o da bandeira catalã. Franco também tratou o Barcelona FC horrivelmente. O presidente do clube foi assassinado pelas forças nacionalistas durante a guerra civil, e Di Stefano, o maior jogador da história do Real Madrid, foi roubado do Barcelona em 1953 por ordem de Franco".

Na Plaça Reial, o ponto central de Barcelona, a euforia da marcha das multidões em 11 de setembro ainda era palpável algumas semanas atrás, e um grupo de torcedores escoceses que estavam na cidade para um jogo da Champions League estava conversando sobre autodeterminação com o pessoal de um bar. "Queremos ser independentes como a Escócia", disse o dono do bar, que obviamente acredita que um país é independente caso tenha uma seleção de futebol independente.

Talvez em 2014, quando a Escócia enfrentar a Inglaterra em Wembley, os torcedores escoceses se levantem e gritem "liberdade" aos 13min14seg (1314 foi o ano da batalha de Bannockburn, um dos confrontos decisivos na Primeira Guerra de Independência escocesa.)

Tradução de PAULO MIGLIACCI

 

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