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09/12/2012 - 05h15

Reconhecimento da ONU à Palestina não tem valor, diz fundador do Hamas

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MARCELO NINIO
DO ENVIADO A GAZA

O médico palestino Mahmoud al Zahar, um dos fundadores do Hamas, não é homem de concessões.

Membro da alta cúpula do grupo islâmico, ele acha que o recente reconhecimento da Palestina como Estado observador na ONU não vale nada, e que os 25 anos do Hamas provaram que só a resistência armada levará à independência palestina.

Cirurgião formado no Cairo, Zahar, 67, escapou de duas tentativas israelenses de assassinato, que custaram a vida de dois de seus filhos.

Uma delas foi em sua casa pintada de verde --a cor do Hamas--, no centro de Gaza, onde falou à Folha.

*
 
Folha - O sr. comemorou a vitória palestina na ONU?

Mahmoud al Zahar - Não importa o que a ONU aceita. Temos nossas fronteiras históricas, ocupadas após a primeira Guerra Mundial pelo mandato britânico. Isso pavimentou o caminho para que Israel fosse criado em nosso Estado, em 1948. O reconhecimento da Palestina em 20% do território e por apenas 40% do povo palestino é inaceitável.

A Autoridade [Nacional Palestina] não representa os palestinos. Nas últimas eleições, em 2006, o Hamas ganhou a vasta maioria do Parlamento palestino.

Se esse processo ocorresse dentro dos princípios básicos dos palestinos, nós aceitaríamos. Essas condições não foram atendidas, a começar pelo território de 1948. Esta é a nossa terra.

O repúdio árabe ao plano de partilha da ONU, de 1947, foi um erro histórico?

Não, porque o plano não deu 50% do território aos palestinos. Mesmo se a partilha fosse aceita hoje, teria que ser condicional, sem o reconhecimento de Israel e sem abrir mão de nosso direito a toda a Palestina.

Após a ofensiva o Hamas se considera o principal representante dos palestinos?

O Hamas é o principal representante desde 2005, quando vencemos as eleições municipais. Um ano depois ganhamos 80 [o número correto é 76] cadeiras, das 132 do Parlamento. Portanto, representamos a vasta maioria há muito tempo.

Qual o seu balanço desses 25 anos do Hamas?

Provamos que somos fiéis ao objetivo de libertar a nossa terra e que somos capazes de atingi-lo. Representamos a posição verdadeira do povo palestino.

[Na última] ofensiva mostramos que somos capazes de neutralizar os tanques e, em certa medida, os aviões israelenses. Asseguramos que Israel pagaria caro por uma invasão e acho que a mensagem foi entendida. Seu poder ofensivo foi reforçado.

Porque o Hamas não investe também na parte defensiva, como a construção de bunkers? O sr. e outros líderes do Hamas tem abrigos para se proteger dos ataques israelenses?

Sim, nós temos esses planos [para os líderes]. Mas como proteger uma população de 2 milhões de pessoas?

É hora de se concentrar em manter a trégua e tentar o diálogo com Israel ou se preparar para a próxima guerra?

Não confiamos em Israel. Não acreditamos que Israel vai querer ficar com os resultados do último confronto, que lhe foram catastróficos. Estamos esperando uma nova ofensiva israelense, mas desta vez nossa reação será bem mais forte.

Depois do recente confronto a reconciliação entre o Hamas e o Fatah ficou mais próxima?

Defendemos a implementação do acordo feito no Cairo, que inclui eleições para o Parlamento e para presidente. Há pessoas no Fatah querem que as eleições ocorram somente em Gaza e na Cisjordânia, o que não aceitamos.

Após o cessar-fogo, as pessoas festejaram e expressaram a admiração pela resistência. Até líderes do Fatah reconheceram ter errado [ao tentar uma solução negociada] e que o caminho é a resistência. No nível político, precisamos seguir adiante com a reconciliação implementando o acordo.

Há divisão na liderança do Hamas em relação à incitava na ONU?

Ninguém aceita o reconhecimento de Israel como Estado. Sobre as fronteiras de 1967, podemos aceitar como um período interino, mas sem abrir mão de nossos direitos. Uma hudna [trégua, em árabe] não pode ser unilateral. Se Israel estiver disposto a aceitar as condições de uma trégua, podemos discuti-la. Mas Israel não aceita.

Mesmo que indiretamente, na prática o Hamas já negocia com Israel, como ocorreu na libertação do soldado israelense Gilad Shalit, em 2011, e na recente trégua. Uma negociação direta é possível?

Negociações não são proibidas. Mas negociar o quê? Abu Mazen [presidente palestino, Mahmoud Abbas] está negociando princípios, os nossos direitos históricos. Nós estamos negociando questões técnicas, como uma trégua e a libertação de prisioneiros. Há uma grande diferença entre uma negociação técnica e a que destrói os nossos interesses nacionais.

Qual a valor do reconhecimento do Estado palestino na ONU, obtido por Abbas?

Nenhum. Nós sabíamos que a vasta maioria da comunidade internacional apoia a causa palestina, com exceção dos EUA e da Europa, que representam uma pequena parte da população mundial. Mas essa resolução não pode ser colocada em prática.

Por muitos anos tentamos o caminho da resistência pacífica contra a ocupação. A primeira intifada foi pacífica. Qual foi a reação de Israel? Deportações, prisões, assassinatos e demolições de casas. Nós recorremos às ações militares depois do fracasso da resistência pacífica. O Fatah negocia com Israel desde 1991 e não conseguiu nada.

Nos anos 80 o sr. se encontrou com vários oficiais e membros do governo israelense, incluindo o ex-premiê Yitzhak Rabin. Por que não é possível repetir o diálogo?

Estávamos sob ocupação e o diálogo era obrigatório. Aconselhamos Israel a sair de Gaza e da Cisjordânia, porque se a resistência pacífica não desse em nada as pessoas iriam buscar alternativas.

Mas Israel não aceitou o conselho e acabou sendo forçado a sair de Gaza em 2005. E se houver resistência [armada] na Cisjordânia, acredite, eles também sairão de lá.

O problema não é só Israel, mas a Autoridade Palestina e a OLP, que acreditam que é possível chegar à solução de dois Estados por meio de negociações. Elas já se arrastam há 21 anos sem conseguir nada.

O Hamas planeja uma terceira intifada na Cisjordânia?

A população da Cisjordânia tem o direito de se defender com todos os meios possíveis. Se os métodos pacíficos não funcionam, precisam tentar outros. Não é um estilo palestino. Foi o que aconteceu em todo país ocupado por forças estrangeiras.

O que muda para o Hamas com a Primavera Árabe?

A mudança é dramática e terá um efeito cumulativo. O que aconteceu na Tunísia, na Líbia e no Egito é muito importante. Mas antes eles precisam reconstruir suas questões internas, antes de ter uma participação regional na solução do conflito. A atitude do Egito na última guerra foi totalmente diferente do que era antes. Islamitas e não islamitas apoiam os palestinos.

 

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