Gabinete de Trump tenta colocar panos quentes em declarações do chefe

ISABEL FLECK
DE WASHINGTON

Nas últimas duas semanas, três dos principais secretários de Donald Trump e o seu vice, Mike Pence, se revezaram para tentar acalmar governos aliados e vizinhos após declarações polêmicas ou ambíguas do presidente.

Em viagens aos exterior, os membros do mais alto escalão do governo tentaram desviar o foco da abordagem nem um pouco diplomática de Trump —seja em discursos ou pelas redes sociais— ou simplesmente rejeitaram posições já defendidas publicamente pelo presidente.

Foi o caso de Pence, que, em Bruxelas, preferiu ressaltar a líderes europeus que os EUA manterão seu "forte compromisso" com a União Europeia, após Trump dizer que o bloco era "basicamente um veículo para a Alemanha" e que o continente estava uma "bagunça terrível" por receber um grande número de refugiados.

"Apesar das nossas diferenças, nossos dois continentes compartilham a mesma herança, os mesmos valores e a mesma proposta de promover a paz e a prosperidade", disse Pence. "Essa é a promessa do presidente Trump: vamos permanecer ao lado da Europa hoje e todos os dias."

Após se reunir com Pence, o presidente do Conselho Europeu (órgão executivo da UE), Donald Tusk, elogiou a mensagem, mas disse que "europeus e americanos devem praticar o que pregam".

Dias antes, o secretário de Defesa, James Mattis, levara aos parceiros da Otan (aliança militar ocidental) a mensagem de que a organização é o "alicerce fundamental para os EUA e para toda a comunidade transatlântica".

Ainda durante a campanha, Trump havia afirmado que a Otan estava "obsoleta" —o que gerou mal-estar entre os aliados. Desde que assumiu, ele tem se concentrado em cobrar que outros membros façam contribuições financeiras maiores à aliança.

Mattis ainda precisou afirmar, durante visita ao Iraque, que os EUA "não estão no país para tomar o petróleo de ninguém". Em seu segundo dia no poder, Trump havia afirmado, em visita à sede da CIA (agência americana de inteligência), que os EUA "deveriam ter ficado com o petróleo" do Iraque. "Mas tudo bem. Talvez vocês tenham outra chance", disse, numa sugestão controversa.

Na última semana, foi a vez de os secretários de Estado, Rex Tillerson, e de Segurança Doméstica, John Kelly, colocarem panos quentes na relação com o México, a mais abalada do governo.

Kelly disse aos vizinhos que os militares não fariam parte das ações de deportação —horas depois de Trump ter dito que seria uma "operação militar" e que não haverá deportação em massa.

Tillerson, por sua vez, afirmou que o possível envio de imigrantes latinos ao México, onde ficariam detidos em centros enquanto aguardam audiências, será feito sempre em cooperação com o governo de Peña Nieto.

"No passado, porta-vozes da Casa Branca tinham que, eventualmente, dizer 'o presidente quis dizer isso'. Mas é incomum haver tantas declarações do presidente que precisam de correções ou revisões —e que essas correções tenham que ser feitas pelo seu mais alto escalão", afirmou o especialista em política externa americana Charles Stevenson, da Universidade Johns Hopkins, à Folha.

TILLERSON

Além de ter passado boa parte do seu tempo nas primeiras viagens internacionais tentando arrumar o caos deixado por Trump, Tillerson ainda tem sido afastado das principais decisões de política externa tomadas no primeiro mês, como a de abrir mão de uma solução de dois Estados no conflito entre israelenses e palestinos.

O secretário de Estado, inclusive, não participou do encontro com o premiê israelense, Binyamin Netanyahu.

Sua atuação tem sido ofuscada na Casa Branca pela de três generais —Mattis, Kelly e H. R. MacMaster, novo conselheiro de segurança nacional—, além da do estrategista-chefe, Stephen Bannon, e do genro e assessor de Trump, Jared Kushner.

Tillerson ainda teve sua indicação para seu braço-direito no Departamento de Estado, Elliott Abrams, recusada por Trump, após o presidente descobrir que o conservador havia sido crítico a ele durante a campanha.

Para Stevenson, a impressão é que Tillerson está cada vez mais "fora do circuito". "E, em seu trabalho, essa impressão se torna a realidade para governos estrangeiros", diz. "Eles passam a questionar se precisam falar com o secretário de Estado se podem conversar com alguém na Casa Branca."

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.