Lealdade de comando militar a Maduro não evita fissura na base

RICARDO BONALUME NETO
DE SÃO PAULO

O líder venezuelano Hugo Chávez e seu sucessor, Nicolás Maduro, usaram a mesma estratégia para obter o apoio das Forças Armadas: cobri-las de benesses, especialmente seus oficiais-generais.

Também procuraram instigar a devoção a seus ideais socialistas bolivarianos, mais nítida em oficiais jovens que passaram pelas escolas militares do novo regime.

Isso, porém, não eliminou a oposição a eles entre os militares, sobretudo no Exército, a força mais importante.

Ditadores costumam assumir o poder com base nas Forças Armadas, em um partido político ou ambos. Mas a base de sustentação de um regime autoritário depende sobretudo da lealdade dos homens com armas na mão.

Historicamente, ditadores lidam com o problema expurgando potenciais rivais ou comprando a lealdade dos sicofantas —Josef Stálin, Adolf Hitler, Saddam Hussein são prova disso.

Na ditadura de Marcos Pérez Jiménez, de 1948 a 1958, os militares venezuelanos eram os mais bem pagos do mundo, além de inúmeros benefícios, segundo Adrian English, especialista nas forças armadas latino-americanas.

O Exército tinha, então, meros 20 mil homens; desde 1830 não se envolvia em nenhuma guerra externa. Jiménez foi deposto por militares, e o país foi democratizado.

"As Forças Armadas não são um bloco unificado, nunca foram", diz o cientista político Daniel Leon, pesquisador na Universidade de Leipzig. Segundo Leon, "não se espera muito deles" na crise atual, pois fazem parte do status quo político.

Para especialistas nas Forças Armadas da Venezuela, o Exército está dividido em facções. Há um grupo de críticos do governo; há os partidários de Maduro; um grupo linha-dura fã de Chávez, que foi contra a subida de Maduro ao poder; e um rival político, Diosdado Cabello, também teria seus apoiadores.

CÚMPLICE

Chávez e Maduro ampliaram muito o papel dos militares no governo e na sociedade, a ponto de eles se tornarem cúmplices, com todo interesse na sobrevivência do regime, segundo Brian Fonseca, da Universidade Internacional da Flórida.

O ex-fuzileiro naval americano e especialista nos militares venezuelanos foi o principal autor, em 2016, de um relatório para o Departamento de Defesa sobre a "Cultura Militar da Venezuela".

Maduro colocou as raposas para tomarem conta do galinheiro. Há generais encarregados da distribuição de comida em um país em que ela faz falta; outros são acusados de pertencer a cartéis de tráfico de drogas.

Mas a crise da economia, altamente dependente das exportações de petróleo, pode piorar. "Se você não pode pagar seus oficiais militares em moeda, você deve dar-lhes alguma outra forma de pagamento. Assim, permitir que eles participem da esfera comercial ilícita nos espaços sombrios da Venezuela foi uma saída", diz Fonseca.

O ministro da Defesa, general Vladimir Padrino López, sem dúvida buscou se cercar de subordinados leais. Mas o ex-oficial Cabello, da linha-dura chavista, pode vir a ter grande influência ainda.

"Cabello ainda possui um poder considerável dentro das Forças Armadas. Mas eu não subestimaria a influência que Padrino tem em termos de controle operacional sobre os militares como instituição", afirma Fonseca.

Se a instituição militar fraturar entre os leais a Maduro e os pró-oposição, há o risco de uma guerra civil. Padrino teria que optar por isso ou por colocar os militares em defesa da redemocratização.

Os oficiais podem ter sido cooptados, mas os recrutas hesitarão em atirar na população, sobretudo em gente da mesma classe social.

"Se você tiver soldados mais pobres matando civis de suas próprias comunidades", declarou Fonseca em entrevista recente para a TV na Flórida, "acho que veremos as fraturas no espaço militar venezuelano se expandirem".

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