Má gestão põe viabilidade de moeda virtual da Venezuela sob dúvidas

DIEGO ZERBATO
DE SÃO PAULO

Em 3 de dezembro, o líder venezuelano, Nicolás Maduro, anunciou como parte da solução para o que chama de guerra econômica e bloqueio, o petro, a primeira moeda virtual estatal do mundo.

O ativo, cuja unidade equivale a um barril de petróleo, é visto pelo chavismo como a forma de se financiar diante da dificuldade de vender títulos da dívida pública devido às sanções dos EUA.

Crédito: Presidência da Venezuela - 3.dez.2017/Xinhua Nicolás Maduro, conversa com o presidente da Asonacip, José Ángel Álvarez, ao lançar o petro
Nicolás Maduro conversa com o presidente da Asonacip, José Ángel Álvarez, ao lançar o petro

"Isso nos permitirá avançar com novas formas de financiamento internacional para avançar com o desenvolvimento social", disse.

Para que a expectativa seja cumprida, serão necessários compradores para os 100 milhões de petros da oferta inicial —hoje US$ 6 bilhões, equivalente a 62% das reservas internacionais do país.

Economistas ouvidos pela Folha, porém, duvidam do sucesso da empreitada sob um governo que levou a Venezuela à hiperinflação, ao calote parcial da dívida e à crise humanitária.

Maduro lança o petro no momento em que as criptomoedas estão em evidência devido aos atraentes retornos da mais famosa, o bitcoin, cujo valor subiu 1.431% de janeiro a dezembro de 2017.

O avanço meteórico fez crescer os olhos dos investidores e a preocupação das autoridades. O presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, chamou o bitcoin de "bolha" e "pirâmide financeira".

Na sexta (12), a Comissão de Valores Mobiliários proibiu que gestores de fundos negociem as criptomoedas por não haver uma conclusão sobre sua natureza jurídica.

A emissão de bitcoin e outras criptomoedas se baseia no volume de processamento de dados das transações, registradas em um livro-caixa, chamado "blockchain".

Todos os usuários têm acesso ao histórico de transações e alguns as processam, mediante cálculos em computadores, no que se conhece como "mineração". A partir de um determinado número de cálculos, o minerador ganha moedas. Assim, aumenta-se a base monetária.

LASTRO

O petro se aproveita da atenção atraída pelo bitcoin mas se trata de outra modalidade. Ele tem lastro, como uma moeda comum, e sua emissão é controlada pelo Estado. Ou seja: é moeda virtual, mas não criptomoeda.

Em teoria, é respaldado por um campo do qual o governo afirma poder extrair 5,43 bilhões de barris. Para os analistas, entretanto, isso não será suficiente para atrair os investidores.

"A diminuição da capacidade da PDVSA de explorar petróleo representa mais um risco para a rentabilidade do petro", diz Jean-Paul Leidenz, economista da consultora venezuelana Ecoanalítica.

Segundo a Opep, o cartel dos produtores de petróleo, a Venezuela produziu em novembro 1,83 milhão de barris por dia, 15% abaixo da média de 2016. Também pesa contra a possibilidade de a capacidade do campo ter sido inflada pelo chavismo.

Luiz Calado, da consultora brasileira Mercado Bitcoin, cita como exemplo as empresas de Eike Batista, cujas ações despencaram quando se descobriu que a produção era menor que o anunciado. Ele conta também como fator contrário a crise política.

A Assembleia Nacional opositora considera o petro ilegal e não honrará sua emissão caso chegue ao governo —o calendário eleitoral prevê votação para presidente neste ano, embora a lisura do pleito seja dúvida. "Isso, para qualquer investidor, é risco. [O petro] vai ser direcionado a um mercado menor."

O chavismo avalia usar o petro como alternativa ao bolívar. Além da desvalorização de 97%, em algumas regiões os cidadãos têm que pagar por dinheiro em espécie.

A carteira digital do petro poderá ser ligada à Carteira da Pátria, que vem se tornando o único meio para receber os benefícios sociais e comprar alimentos subsidiados.

Também se discute a chance de que o tíquete-alimentação, que perfaz 69% do salário-mínimo, e as compras a prazo sejam pagas na moeda.

A complementação é elogiada pelo presidente da Associação Nacional de Criptomoedas (Asonacip), José Ángel Álvarez. Ele diz que, com o petro, a Venezuela será o primeiro país a deixar de usar cédulas.

"A Venezuela está usando a tecnologia a favor dos venezuelanos para mitigar os efeitos da desvalorização do bolívar", diz Álvarez, para quem todos os países deveriam ter suas moedas virtuais.

A ligação com o petróleo é o motivo pelo qual Leidenz e Calado não consideram o petro uma criptomoeda.

O economista da Ecoanalítica também inclui dois aspectos técnicos: a moeda chavista não tem seu próprio blockchain e será emitida pelo governo, perdendo uma das qualidades dos criptoativos: a descentralização.

"Qualquer investidor pode trocar a moeda que minera, mas como o governo centraliza, já se sabe que [o petro] não terá uma condição de mercado", diz Calado.

A não interferência dos governos foi o que tornou o bitcoin um dos refúgios dos venezuelanos para mitigarem os efeitos da inflação e driblarem o controle cambial implantado há 15 anos. A oferta de energia barata no país contribui para sua explosão.

Embora considere que, se a oferta inicial tiver sucesso, o petro possa aliviar a crise no curto prazo, Leidenz diz que ele não é uma solução.

Para isso, afirma, seria necessário que Maduro seguisse a receita recomendada pelos economistas há anos: controle cambial e ajuste fiscal.

ENTENDA
Moedas virtuais

CRIPTOMOEDA

1) O que é?
Ativo criado com o processamento de cálculos feitos por computadores; a mais usada é o bitcoin

2) Como se usa?
Em trocas com outros donos e já é aceito em lojas virtuais e físicas, como Amazon e Reserva

3) Quem observa?
Todos os usuários, por meio da 'blockchain', espécie de livro-caixa que reúne as transações

4) Como se cria?
Com o processamento das transações e cálculos complexos, processo chamado de mineração

5) Como se obtém?
Com usuários e corretoras; devido à complexidade dos cálculos é inviável a mineração caseira

6) Como se fixa o preço?
A cotação varia conforme a oferta e a demanda e o ritmo de criação das moedas

7) Como se troca para moeda física?
Através de casas de câmbio virtuais ou com a venda para outros usuários

8) Em que ela se baseia?
Não há um equivalente tangível como o ouro ou as reservas internacionais

DIFERENÇAS DO PETRO

Lastro
Petróleo e minerais, como ouro, prata e diamante sustentam os valores da moeda

Valor pré-fixado
O preço sobe conforme a cotação petroleira

Controle estatal
Além de observar o 'blockchain', é o regime que controla a venda

OFERTA

100 milhões
oferta inicial do petro

16,7 milhões
bitcoins em circulação

COTAÇÕES (em US$)

60,50** (1)
petro

13.859
bitcoin

VALORIZAÇÃO EM 2017

25%
petróleo

1.431%
bitcoin

904% (2)
dólar/bolívar

(1) Cesta venezuelana, usada como base para o petro

(2) Aumento real, levando em conta a inflação de 2.616% calculada pela oposição

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.