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05/08/2010 - 02h31

Brasil quer evitar punição a país violador dos direitos humanos

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ELIANE CANTANHÊDE
DA COLUNISTA DA FOLHA

O Brasil criticou o atual processo e a cultura de condenação de países por agressão aos direitos humanos no conselho das Nações Unidas que trata a questão. O país defendeu uma mudança radical que mantenha as resoluções acusatórias, mas abrindo espaço para a defesa dos países e para o diálogo, como forma de permitir que o processo tenha consequências práticas e não fique apenas no papel.

Num texto encaminhado a 15 países que fazem um debate prévio para a reforma do Conselho de Direitos Humanos da ONU, que será oficialmente discutida no próximo ano, a Embaixada do Brasil em Genebra condenou o processo atual. "Por diferentes razões e sob diferentes perspectivas, o senso comum é que o sistema em vigor provou estar muito longe de ser efetivo para mudar a situação interna [dos países acusados de desrespeito aos seus cidadãos]", diz o texto.

Segundo ainda esse estudo preliminar, "a combinação de ineficiência, concentração geográfica [dos países acusados] e politização das discussões tem um impacto negativo na cultura operacional do conselho". Por isso, a melhor forma de buscar o êxito seria trocar a condenação pura e simples por algo mais produtivo, resultado da persuasão.

A embaixada brasileira recorreu a uma posição histórica do Brasil nessa área, sistematicamente refratário a condenar uns e não outros países acusados de desrespeito aos direitos humanos. Fez esse trabalho na condição de relatora para uma reunião do grupo já na próxima semana. Fazem parte, por exemplo, Estados Unidos, França, México e Índia.

O texto é chamado de "non paper" em linguagem diplomática, por não ser um documento oficial de governo. O próprio chanceler Celso Amorim não conhecia sua íntegra até ontem à tarde. Sabia apenas que espelhava a posição publicamente assumida pelo governo brasileiro.

Leia a íntegra da carta do Brasil:

"DO CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS DA ONU

À medida que avançam as discussões preliminares sobre a próxima revisão do Conselho de Direitos Humanos, é possível antecipar que uma das questões mais desafiadoras a ser enfrentada será a dos mandatos nacionais específicos. A maneira pela qual o sistema da ONU --o conselho, a antiga comissão e até mesmo a Assembleia Geral-- vinha lidando com mandatos nacionais específicos ocupa, de fato, posição central entre os desafios com relação ao funcionamento do conselho.

Por diferentes razões, e de diferentes perspectivas, parece existir uma sensação generalizada de que o instrumento dos mandatos nacionais específicos se provou bem pouco efetivo em termos práticos. Não apenas existe uma pesada concentração de mandatos relacionados a países de uma região específica do mundo como continua em questão se temos alguma história clara de sucesso a exibir, diversos anos e diversos mandatos mais tarde, com base em qualquer dado de missão, o primeiro dos quais remonta a 1992.

A combinação entre ineficiências percebidas, concentração geográfica desproporcional e politização das discussões tem impacto negativo sobre a cultura de trabalho do conselho, e mais do que simplesmente sobre o item quatro de sua agenda.

Com o objetivo de explorar possíveis alternativas a essa situação, este estudo busca articular algumas ideias que parecem oferecer a perspectiva de um ambiente mais positivo e propenso a negociações. Acima de tudo, ele estuda a possibilidade de um mecanismo revisado que poderia funcionar melhor como meio de obter melhoras concretas na situação prática.

Uma palavra importante, aqui, é "revisado". De fato, a intenção não é a de reinventar a roda, mas sim a de obter inspiração de ferramentas existentes e práticas em uso em outras organizações da ONU para enfrentar situações nacionais específicas, de uma perspectiva cooperativa e orientada a resultados.

Dessa perspectiva, duas áreas principais requerem atenção particular ao delinearmos possíveis alternativas a serem exploradas. A primeira é o desenvolvimento de mecanismos de assistência técnica e reforço de capacidades; enquanto a segunda consiste da melhora de capacidades de monitoração já existentes.

Entre as lições claras da UPR (Revisão Periódica Universal) está a confirmação de uma simples verdade: todos os países têm desafios a superar na área dos direitos humanos. Associado a isso existe o fato, também claramente percebido, de que a grande maioria dos países se mostra apta e disposta a cooperar com o sistema da ONU. Tendo isso em mente, o Conselho pode fazer uso de mecanismos para ajudar na melhora dos direitos humanos, nos países em questão, com base no consentimento do país envolvido. Existem diversas possibilidades para tanto.

Uma delas seria a organização de sessões de informação com a participação do país em questão e de agências da ONU, bem como outros agentes relevantes presentes em campo. A importância de uma iniciativa como essa é, inter alia, elevar o nível, a imparcialidade e o volume de informação disponível. Acima de tudo, isso também contribuiria para uma decisão mais informada e possivelmente menos politizada da parte do Conselho sobre como proceder.

Da mesma forma, pode se provar útil promover visitas a países por delegações dos Estados membros. Essa já é a prática corrente em outras das agências da ONU, como a Ecosoc e a Peace-Building Commission (PBC). A Ecosoc, por exemplo, recentemente enviou uma delegação governamental ao Haiti a fim de avaliar a situação a situação do país depois do terremoto. Quanto à PBC, o Brasil serve como coordenador nacional para a Guiné-Bissau e, nessa qualidade, esteve envolvido na organização de numerosas visitas ao país.

Missões como essas --que deveriam incluir membros de todas as regiões-- requereriam um mandato claro e de foco estreito, a ser negociado e aprovado pelo conselho e pelo país em questão.

Uma segunda possibilidade seria o desenvolvimento de estratégias para a implementação da UPR existente e outras recomendações, de acordo com as práticas da PBC. As estratégias nacionais podem incluir diferentes agentes, tais como países interessados, organizações regionais, bancos de desenvolvimento e mecanismos relevantes da ONU.

O principal objetivo seria estabelecer uma estratégia com base em consultas com o governo, no seio do Conselho de Direitos Humanos, e com participação do país envolvido e de outros interessados, a fim de implementar as recomendações dos mecanismos de direitos humanos da ONU.

O senso de posse nacional quanto a uma abordagem como essa faria muito para garantir um resultado positivo. Nesse contexto, seria possível conceber uma indicação conjunta, pelo gabinete do alto comissário da ONU para os direitos humanos e o país envolvido, de "facilitadores de assistência técnica", a fim de implementar estratégias e planos de acordo com o item dez.

O elemento comum a ambas as possibilidades delineadas acima está na criação de alternativas mais inclusivas e transparentes do que as disponíveis no momento sob o usual pacote de resolução/missão nacional. Mecanismos novos como esses poderiam servir como passo intermediário entre o mecanismo de revisão universal e resoluções nacionais específicas.

Todas essas iniciativas dependem do diálogo com os países envolvidos. Nos casos onde não for identificada uma disposição a participar do diálogo, outras medidas podem se provar necessárias. Continua verdade, no entanto, que, assim que o conselho tiver explorado as ferramentas e instrumentos oferecidos para negociação e diálogo diplomático, os custos do não envolvimento por parte de qualquer dado país se tornam muito mais elevados.

Hoje, assim que o conselho avança diretamente para o modo contencioso, via resolução nacional específica ou convocação de uma sessão especial, as medidas adotadas paradoxalmente servem bem aos interesses daqueles que estão fechados ao diálogo, porque lhes fornecem uma espécie de argumento de seletividade e politização, no qual podem encontrar refúgio e se abster de qualquer envolvimento."

</pebio,1>Tradução de PAULO MIGLIACCI

 

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